Quando o assunto é privatização, há um intenso debate entre dois grupos: os privatizantes, que acreditam que a privatização é a solução a qualquer custo, e os estatistas, que veem no Estado a resposta para todos os problemas.
Considero que ambos podem ter razão em certos contextos. Não vejo problemas em privatizar o transporte público, como as companhias de ônibus nas grandes metrópoles, mas questiono se essa é a solução mais eficaz.
Como Funciona nas Maiores Cidades do Mundo:
Londres, Inglaterra: A Transport for London (TfL), uma empresa pública criada em 2000, é responsável pela gestão do metrô de Londres. Em 2023, o metrô transportou cerca de 1,3 bilhão de passageiros.
Paris, França: O metrô de Paris, um dos mais movimentados do mundo, é gerido pela RATP. Em 2022, o sistema atendeu cerca de 1,5 bilhão de viagens.
Nova York, Estados Unidos: O sistema central de metrô de Nova York é gerido pela New York City Transit Authority. Em 2023, aproximadamente 1,5 bilhão de passageiros usaram o metrô da cidade.
Tóquio, Japão: O metrô de Tóquio é operado por duas empresas: a Tokyo Metro e a Toei Subway. Em 2023, as duas juntas transportaram cerca de 3,3 bilhões de passageiros.
Observamos que, em contrapartida às principais cidades do mundo, São Paulo está transferindo suas linhas de metrô para a iniciativa privada, e, mesmo assim, subsídios públicos continuam sendo oferecidos. Apenas em 2024, o governo já gastou mais de R$ 1 bilhão em subsídios no metrô e trem.
Contudo, se a Prefeitura optou por vender, por que continuar a oferecer subsídios? Mesmo após a privatização da Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC), o custo da passagem permanece elevado, em R$ 4,40, e a qualidade do serviço não melhorou. A Prefeitura ainda controla o sistema através de uma autarquia chamada SPTrans (São Paulo Transporte S/A) que gerencia o sistema de transporte coletivo por ônibus na cidade. Se vai vender e ao mesmo tempo gerir e subsidiar o empresário, qual é o verdadeiro sentido da privatização?
O Caso da Saúde
Um exemplo semelhante ocorre no setor de saúde pública municipal, onde a gestão é realizada por Organizações Sociais (OS). Embora sejam organizações sem fins lucrativos, seus gestores precisam fechar suas contas no azul. A Prefeitura paga pelos serviços prestados, mas em 2023, apenas 62% dos cidadãos avaliaram os serviços de saúde como satisfatórios, evidenciando que o serviço frequentemente continua insatisfatório, com funcionários mal qualificados e estruturas precárias.
Esses exemplos evidenciam que a privatização, da forma como tem sido implementada, não resultou em avanços consideráveis.
A Enel e a Privatização Ineficiente
Estamos presenciando um claro exemplo de uma privatização que falhou: a Ente Nazionale per l’Energia Elettrica (Enel). A operação do serviço de energia foi privatizada e passou a ser gerida por um grupo italiano de capital misto, no qual o Estado da Itália detém 23% das ações. Em 2023, a Enel registrou uma queda de 15% na satisfação do cliente em relação à qualidade do serviço.
Privatizamos uma companhia estatal alegando que o Estado é ineficiente, mas o comprador foi uma empresa de capital misto, originária da Itália, o que levanta questionamentos sobre a eficácia dessa privatização.
Como qualquer empresa, a Enel busca lucro e, consequentemente, realizou cortes significativos. Muitos serviços não foram executados porque não havia previsão de pagamento para eles nos contratos, resultando em ineficiência.
Subsídios às Empresas de Energia
Apesar da narrativa de que a privatização é a solução para a ineficiência estatal, muitos exemplos no setor de energia mostram que as empresas privatizadas continuam a receber subsídios do governo. No caso brasileiro, a Enel, por exemplo, recebe apoio indireto por meio de políticas públicas e programas federais voltados à moderação dos preços da energia.
Isso se repete em vários países, como França e Estados Unidos, na suposta “meca do Estado Mínimo”, onde empresas privadas de energia continuam a receber ajuda financeira governamental para manterem a operação. E também investirem em novas fontes de energia renováveis.
Reflexão
A situação da Enel nos leva a questionar: se o Estado deve ser mínimo, por que países como Itália, França e Noruega operam serviços essenciais em outras nações, buscando rentabilidade máxima no negócio? Isso sugere que a ineficiência não é uma característica exclusiva das empresas estatais. É possível que haja empresas públicas ou de capital misto que operem de forma rentável.
Por outro lado, existem exemplos de privatizações bem-sucedidas. O caso da Companhia Vale do Rio Doce, ou simplesmente Vale, é emblemático. O desempenho econômico da empresa melhorou significativamente após a privatização. Em 2023, a Vale reportou um lucro líquido de R$ 40 bilhões, um aumento de 25% em relação ao ano anterior. A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) também experimentou avanços notáveis, tanto financeiros quanto em termos de produção, com um crescimento de 15% em sua produção de aço.
Diante disso, acredito que o Estado não pode ser excessivamente grande. No entanto, antes de vendermos tudo, é preciso considerar se uma empresa pode ter um papel que vá além do lucro. Um exemplo disso é a Gazprom, na Rússia, que gera receita e é utilizada para fins de política internacional.
Outro exemplo, na contramão da posição privatista, é a Espanha, que atualmente possui 10% do capital da Telefónica. O objetivo do governo espanhol é proteger as capacidades estratégicas da empresa e equilibrar a possível influência do STC Group, um grupo saudita que se tornou um dos maiores acionistas da Telefónica.
O que observamos é que privatizar sem um planejamento sólido e mecanismos de controle bem definidos pode criar mais problemas do que soluções. Esses exemplos reforçam a ideia de que a privatização não é uma solução universal. Ela deve ser analisada com cautela, levando em consideração as necessidades da população, estratégias de Estado e garantindo que o interesse público seja sempre priorizado.
Não existem nações amigas, mas interesses de Estado que prevalecem sobre outras questões. Enviar suas empresas para o exterior é uma estratégia que visa a sobrevivência política.