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Pagar R$ 1 trilhão de juros piora a situação fiscal, abala a confiança do investidor e pressiona para novos aumentos de juros, um efeito bola de neve

Os argumentos para as constantes elevações da taxa básica de juros (Selic) por parte do Banco Central perdem consistência quando fazemos uma análise mais profunda das consequências das decisões do Copom nos fundamentos econômicos. Hoje, temos um juro de 13,25% ao ano no Brasil, a segunda maior taxa do mundo, abaixo somente da Argentina. Mas esse patamar é realmente necessário? Não, não é!

Na última ata, o Copom destaca que o cenário de inflação de curto prazo segue adverso. E cita os preços de alimentos, que se elevaram de forma significativa por conta da estiagem; os bens industrializados, por conta do câmbio e a inércia da inflação de serviços. Segundo o Copom, a análise de curto prazo, que, em se concretizando as projeções do cenário de referência, a inflação acumulada em 12 meses permanecerá acima do limite superior do intervalo de tolerância da meta nos próximos seis meses consecutivos.

O primeiro argumento se desfaz rapidamente. Não é a taxa de juros que vai resolver a estiagem e baratear o preço dos alimentos. Neste caso, não há o que fazer em termos de política monetária. É como tomar um remédio com efeitos colaterais que não vai combater a doença principal. Aliás, os preços dos produtos agropecuários estão caindo, conforme dados do IGP-M de 30/1 e o dólar está voltando ao seu novo normal abaixo dos R$6,00.

A projeção para o IPCA de 2025, segundo o relatório Focus, é de 5,5% ao ano, o que significa um ponto percentual acima da meta, de 4,5% ao ano. Mas sabe-se que as projeções nem sempre se concretizam. Aliás, o mercado errou 95% das previsões sobre economia e Bolsa desde 2021.

 Fato concreto é que o IPCA “estourou” o teto e encerrou 2024 em 4,83% ao ano. Mas o “estouro” de 0,33 p.p., quando colocado em números claros, se torna pífio. O 0,33 p.p, na média do conjunto de preços, significa um valor de R$ 4,69 em relação ao salário-mínimo de 2024 (R$ 1.412,00).

Para enfrentar essa insignificante perda de poder de compra, o Banco Central já aumentou a Selic em dois pontos porcentuais e culpa a irresponsabilidade fiscal do governo. Ironia à parte, o próprio Bacen, com essa postura, está aprofundando o deficit fiscal do governo, e isso não é difícil de perceber.

O principal gasto orçamentário do governo federal no ano passado foi com os juros dessa dívida, cerca de R$ 950,4 bilhões, ou 8,05% do PIB.  Com o aumento previsto da Selic em 3 p.p  (dois pontos nas últimas reuniões e um previsto para a próxima), os gastos com os juros da dívida pública aumentarão mais R$ 150 bilhões e, em 2025, ficará acima de R$ 1 trilhão. Algo inacreditável. Em termos comparativos, o Programa Bolsa Família, que deve atender 20,9 milhões de famílias neste ano, deverá despender cerca de R$ 166,3 bilhões.

Pagar R$ 1 trilhão de juros piora a situação fiscal, abala a confiança do investidor e pressiona para novos aumentos de juros, um efeito bola de neve.

Do lado da economia real, o efeito da taxa de juros é ainda mais nocivo. O acréscimo da Selic além de desestimular os investimentos nas mais diversas áreas, pode levar à contração do setor industrial que propicia grande quantidade de empregos, desenvolve tecnologia e paga os melhores salários do país. No longo prazo, o resultado é mais um empurrão na desindustrialização e para o aumento do custo da produção, que acaba sendo repassado aos preços. O resultado? Inflação futura. Tendências similares vemos no comércio e serviços.

Vivemos atualmente o velho dilema entre o remédio e o veneno. A Selic atual deixou de ser antídoto há alguns meses para se tornar mais nociva à economia brasileira. Além do impacto dos juros que ampliam o déficit nominal de forma muito mais intensa que qualquer política social de transferência de renda do governo, temos o fato de que a contração da economia provocada pela Selic alta reduz a arrecadação do governo. Por último, a redução da competitividade dos diversos setores, pelo desestímulo ao investimento diante dos juros altos, prejudica nossa posição no mercado internacional e eleva a inflação futura.

Odilon Guedes- Economista, Mestre em Economia pela PUC/SP. Professor Universitário.  Presidente do Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo. Foi Vereador e Subprefeito na cidade de   São Paulo. Autor do livro Orçamento Público e Cidadania (Editora L. Física).