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Por Haroldo Silva, Economista e advogado; Economista e advogado. Doutor em Ciências Políticas, Mestre em Desenvolvimento Econômico, Especialista em Direito Tributário.

Evidentemente, o título é uma paródia. A frase original é “It’s the economy, stupid” dita, em 1992, por James Carville, na época o publicitário-estrategista da campanha presidencial de Bill Clinton contra George H. W. Bush, então presidente dos Estados Unidos. A economia ainda permanece como tema dos mais relevantes, especialmente em relação às eleições. Esse é o ponto, a economia é importante, mas o que interessa são as eleições. Isto é, a Política!

A atual disputa – que deverá ser entre Biden e Trump, pois o primeiro pode ser substituído na corrida presidencial e o segundo responde alguns processos na Justiça dos EUA, com desfechos imprevisíveis – tem a economia como o tema de maior peso na decisão dos votos em novembro próximo, para 90% dos americanos pesquisados pela ABC News/Ipsos, em maio de 2024. A economia é o meio pelo qual se busca vencer as eleições e, portanto, a condução político-ideológica, na democracia moderna.

A eleição americana interessa a todo o mundo. Para saber mais, sugiro que leiam o artigo de Thomas L. Friedman, publicado no Estadão de 29 de junho de 2024, p. A19. Disse ele: “Biden é bom homem, mas precisa desistir – Presidente deveria fazer o que Donald Trump nunca faria: colocar o país acima de si mesmo”. Depois do debate entre os dois candidatos, até os apoiadores de Biden compreenderam que sua saída da disputa pode evitar a “ameaça de Trump”. Mas, o tema aqui não é a eleição americana. Outras são relevantes para a economia e vice-versa.

Relatório publicado recentemente pela Allianz, na newsletter de Ludovic Subran, economista-chefe do grupo, faz uma análise muito detalhada das perspectivas globais para 2024 e 2025. Ele trata de três eleições em especial e dos riscos em um ano de “Super-Eleições”: i) no Reino Unido; ii) na França; iii) na Alemanha; e iv) nos EUA, conforme o calendário. Além disso, também destaca a questão dos conflitos globais em curso, embora o cenário desenhado não traga nenhuma escalada significativa deles.

Com essas premissas, a publicação revela que as projeções devam levar, no cenário-base, a um crescimento das economias desenvolvidas de 1,7%, para 2025, com uma taxa de inflação de 2,7%, naquele ano. Isso me faz pensar se uma meta de inflação de 3% a.a. para o Brasil é adequada… tenho dúvidas dos custos sociais e financeiros disto. Mas, essa é outra reflexão. De volta ao relatório da Allianz, caso as eleições tragam componentes complicadores, como quebra de coalizões, o crescimento destas economias poderá ser 1,5 p.p. menor, elevação dos custos fiscais em 2% do PIB, com mais inflação e taxas de juros maiores, a longo prazo.

É importante dizer então: a economia é relevante, mas a política também. Talvez, por isso, ao menos desde o classicismo de Adam Smith, até Elinor Ostrom, a primeira das três mulheres a ganhar o Nobel de Economia, apenas para citar alguns nomes, o termo utilizado para demonstrar a conexão entre as duas ciências seja a “Economia Política”.

Dentre as mais distintas definições sobre “Economia Política”, faço aqui a paráfrase a TORTEN, Person; TABELLINI, Guido (2002) que sugere que a Economia Política trata das relações entre os indivíduos, a sociedade e o Estado e de como estas relações moldam a distribuição dos recursos e do poder. No entanto, para (LAVAL, Christian, 2021, p. 69):

A economia política ampliou consideravelmente seu próprio campo ao considerar todos os comportamentos humanos como resultado de escolhas entre fins rivais.

As Escolhas Políticas e os Reflexos Econômicos

Feito o preâmbulo, chego ao ponto que gostaria de analisar melhor: as escolhas que temos feito, no Brasil, como sociedade, ao longo das últimas décadas, e parte das consequências disto. Segundo dados do FMI, a economia brasileira ronda o ranking das 10 maiores do mundo.

No entanto, se a medida for a renda per capita esta posição cai abruptamente e o país passa a ocupar o lugar de número 60, dentre 133. É o que releva a figura extraída do Atlas da Complexidade Econômica de HavardA. A mesma fonte mostra que a complexidade econômica da economia brasileira caiu 45 posições, desde 1995, quando ocupávamos o 25º lugar, nos deixando na posição de número 70, em 2021. A projeção feita por esta fonte aponta um crescimento econômico mediano – sinônimo de medíocre, neste caso – de 2,83%, para 2031.

DADOS BRASILEIROS. By: Atlas of Economic Complexity

O Brasil está classificado como o 70º país mais complexo no ranking do Índice de Complexidade Econômica (ICE) . Em comparação com uma década antes, a economia do Brasil se tornou menos complexa, piorando 23 posições no ranking do ICE. A piora da complexidade do Brasil foi motivada pela falta de diversificação das exportações. O Brasil é tão complexo quanto o esperado para seu nível de renda. A economia está projetada para crescer lentamente. As projeções de crescimento de 2031 preveem um crescimento no Brasil de 2,8% ao ano na próxima década, classificando-se na metade inferior dos países globalmente.

Estamos perdendo a corrida pela melhoria das condições econômicas e, consequentemente, da melhoria do padrão de vida da nossa sociedade. Exportar commodities nos ajudou a fazer um importante seguro contra crises internacionais, ao reforçar nossas reservas cambiais. Mas isso não é o suficiente para alcançarmos o desenvolvimento sustentável. Cumpre dizer, inexiste um trade off entre exportar bens básicos, portanto pouco elaborados, ou produtos industriais mais sofisticados. Fosse isso verdade, não exportaríamos aviões, dispositivos médicos ou tecidos técnicos, apenas soja e minério.

Como se pode notar, a piora da complexidade da economia brasileira, medida aqui pelas exportações, é tão evidente, quanto é acelerada. Este é mais um reflexo do histórico de negligência política e da economia com a indústria brasileira, que ficou à mercê da pauta de exportações de bens básicos. À título de comparação, os EUA recuaram em seu índice de complexidade econômica 5 posições, o Brasil perdeu 45 posições, enquanto a China subiu 28, entre 1995 e 2021. Não é sem razão a preocupação americana, com o rival asiático.

                                       DINÂMICA COMPARATIVA DA COMPLEXIDADE ECONÔMICA. By: Atlas of Economic Complexity

A novidade é que agora é bem mais fácil acompanhar a dinâmica da complexidade da economia brasileira em suas relações com o mundo. Todos podem fazer isso, especialmente as(os) colegas pesquisadoras(es). Há muito o que contribuir para o debate, a partir da adequada investigação dos dados e da proposição de alternativas políticas para alterar esse quadro de primarização da pauta exportadora brasileira e da redução da complexidade econômica nossa com o mundo.

As informações extraídas da ferramenta online [HARVARD’S GROWTH LAB] permitem verificar a evolução (ou involução) da nossa economia. É forçoso lembrar: estamos numa corrida, com obstáculos, mas grande parcela deles é colocada à frente por condições internas. Dito de outro modo: dificultamos nossa competitividade, nós mesmos, a exemplo da insegurança jurídica causada pela MP 1227/2024. Fica aqui a sugestão para pesquisas em profundidade. Atualmente, soja, minério e petróleo predominam em nossa pauta exportadora.

                 EXPORTAÇÕES US4 335 bi, em 2021. By: Atlas of Economic Complexity

A adoção de estímulos à neoindustrialização é tardia. Por outro lado, não se crê que seja tarde demais. Assim, a NIB (Nova Indústria Brasil), a atual política industrial brasileira, é muito bem-vinda. Ao contrário, é sim possível retomar a trajetória de maior agregação de valor ao processo de exportações do Brasil, por meio da ampliação do peso da indústria de transformação na pauta exportadora. Iniciativas como as da APEX (Agência de Promoção às Exportações e de Atração de Investimentos) e do BNDES, como o lançamento das LCDs (Letras de Crédito do Desenvolvimento), que permitirá instrumentalizar recursos para a indústria, com taxas de juros mais acessíveis, são fundamentais para ampliar a agregação de valor aos produtos brasileiros.

Conforme o Relatório Setorial da (ABIMO 2024, p. 36), o setor de dispositivos médicos (elevada complexidade), por exemplo, superou a marca de US$ 1 bilhão de exportações, ano passado. A associação industrial, por sua vez, tem um programa com foco nas exportações, com suporte da agência de fomento. Neste mesmo sentido, têxteis não-tecido estão elencados como itens promissores, na ferramenta de Harvard, em linha com White Paper publicado pela ABINT 2023.

De acordo com o rank de complexidade, por produto, os dispositivos médicos têm elevada complexidade [algo como a posição 50 ante mais de 1.200 itens avaliados]. Assim, apoiar essa atividade industrial, por exemplo, tem duplo efeito: i) diminuir a dependência de bens sofisticados importados; ii) ao mesmo passo que melhora a complexidade econômica brasileira, tendo em vista a elevada tecnologia embarcada nesses itens.

A figura a seguir, revela que o Brasil está descendo a “escada da complexidade econômica” a cada ano. Centrar esforços no estímulo a setores capazes de incorporar tecnologia e valor adicionado pode ser uma excelente alternativa. Em uma alusão ao livro do Professor (Ha-Joon Chang, 2004), isto seria capaz de ajudar o Brasil subir a escada da complexidade que os países desenvolvidos chutaram, depois de chegar ao topo.

 

                                       CAMINHO BRASILEIRO PARA A COMODITIZAÇÃO. By: Atlas of Economic Complexity

Antes de tudo, é preciso compreender o que Keynes ensinou: a verdadeira dificuldade não está em aceitar ideias novas, mas sim em escapar das ideias antigas. Talvez tenhamos que fazer, na medida do possível, o que fizeram (e fazem) os países que subiram a escada.

Só para exemplificar, os EUA têm o CFIUS (The Committee on Foreign Investment in the United States), ligado ao Tesouro, cuja prerrogativa é revisar certas transações envolvendo investimentos estrangeiros naquele país, sob a perspectiva da segurança nacional. São defensores do “livre mercado”, mas antes de tudo são pragmáticos e preocupados com seus interesses soberanos, inclusive em relação às mudanças climáticas. Nada mais legítimo.

A mudança climática é uma ameaça existencial ao planeta e uma ameaça emergente e crescente ao sistema financeiro e à economia globais, incluindo a nossa. Ao mesmo tempo, a transição para uma economia líquida zero representa uma oportunidade econômica histórica para empresas, indústrias e países.

Considerações

A Política é a “Arte do Possível”, segundo disse Otto von Bismarck. A Economia Política molda a distribuição de recursos, escassos. As escolhas brasileiras têm sido infelizes, pois seguem sem melhorar substancialmente o padrão de vida da população e a distribuição de renda, faz muito tempo. Estamos perdendo a corrida pela competitividade, representada aqui pela complexidade econômica.

O cenário global, repleto de disputas geopolíticas e, ao mesmo tempo, passando por tensões políticas de ordem interna, nas economias desenvolvidas, está bastante instável. Tem sido assim, faz décadas. Embora isto seja um elemento desafiador, pode significar também o melhor momento para uma mudança de rumo brasileiro.

Todos os setores econômicos podem e devem ser apoiados, mas as externalidades do setor industrial são tantas que não deveriam ser negligenciadas, nem mesmo pelas bancadas de outros setores no Congresso Nacional. Não há muito segredo, com base nas ferramentas críveis, como essa de Harvard, é possível centrar esforços e levar à cabo nossas “missões”, detalhadas lá na NIB.

Uma das palavras que servem de sinônimo para complexo é o verbete “complicado”. Contudo, diante do exposto, creio que a mensagem seja simples: a política, com o apoio da economia, deve escolher caminhos pelos quais o Brasil possa melhorar sua competitividade, sobretudo em setores capazes de espraiar mais benefícios. Uma das formas de fazer isso é centrar os estímulos econômicos – por meio de instrumentos legais, definidos pela política de Estado – em setores com maior complexidade econômica, como a Indústria.

Aos formuladores de políticas públicas [em âmbito federal ou nos entes subnacinais], bem como às representações industriais, cabe a esses grupos aprofundarem as análises e transformá-las em proposições para que sejam aprovadas no campo político. Assim, ao contrário do que foi dito por Carville, não é a economia – sozinha – “é a política”, que pode fazer o Brasil subir a escada do desenvolvimento sustentável, com inclusão social. Não sejamos estúpidos.

Referências

ABINT. White Paper – Estratégia de competitividade sistêmica: setor de nãotecidos e tecidos técnicos. São Paulo: dezembro de 2023. Disponível online em: https://youtu.be/KQAarHByMTM?si=46lNG1ngy1QnBVuz – Acesso em 29 de junho de 2024.

ABIMO. Relatório Setorial – dados consolidados de 2023 e perspectivas para 2024: São Paulo, 2024. Disponível online em: https://abimo.org.br/wp-content/uploads/2024/05/ABIMO_Relatorio-Setorial_2024-DIGITAL.pdf – Acesso em 29 de junho de 2024.

CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: UNESP, 2004.

FRIEDMAN, Thomas L. Bidem é bom homem, mas precisa desistir. Jornal O Estade de São Paulo – Internacional, 29 de junho de 2024.

HARVARD’S GROWTH LAB – Atlas of Economic Complexity – Disponível online: https://atlas.cid.harvard.edu/what-is-the-atlas – Acesso em 29 de junho de 2024.

LAVAL, Christian. Foucault, Bourdieu e a questão neoliberal (Portuguese Edition). São Paulo: Editora Elefante. Edição do Kindle, 2021.

PERSSON, Torsten & TABELLINI, Guido, 2002. “Political economics and public finance,” Handbook of Public Economics – Acesso em 28 de junho de 2024.

U.S. DEPARTMENT OF THE TREASURY. The Committee on Foreign Investment in the United States (CFIUS). Disponível online em: https://home.treasury.gov/policy-issues/international/the-committee-on-foreign-investment-in-the-united-states-cfius – Acesso em 29 de junho de 2024.