O que partes relacionadas têm a ver com o investidor? Identificar partes relacionadas em transações comerciais é uma das tarefas mais difíceis no mercado financeiro. As relações entre os participantes das organizações podem, na prática, ocorrer formal ou informalmente, com vínculos societários, contratuais ou até pessoais, de acordo com material do IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, órgão de referência no assunto.
Embora essa definição não seja tão abrangente a ponto de exaurir todas as situações, costuma-se classificar transações com partes relacionadas àquelas que ocorrem em condições que não sejam as de independência que caracterizam as transações com terceiros alheios a ela.
Então algumas situações comuns no mercado podem conter características de partes relacionadas, como quando uma empresa é coligada ou controlada em conjunto de outra entidade, ou quando é membro de um mesmo grupo econômico. Tais situações possuem algumas decorrências como o controle compartilhado ou influência significativa sobre as decisões da companhia.
Esse é um assunto tão sensível que muitas empresas de capital aberto possuem políticas específicas para tratar transações com partes relacionadas, principalmente aquelas de controle familiar onde esse tipo de relação é mais presente.
Um movimento importante vem ocorrendo no mercado de gestão de recursos brasileiro. Nos últimos meses foram anunciadas inúmeras operações onde corretoras e instituições financeiras decidiram comprar participações em gestoras de recursos (assets) tidas como independentes.
Assets são relativamente simples de serem montadas, requerem investimento imobilizado baixo, enfrentam pouca barreira a entrada e encontram um mercado com muita diferenciação de produtos, o que permite diferentes perfis de casas. Apesar das condições favoráveis a novos participantes, as assets já estabelecidas e estreantes enfrentam um ambiente ainda muito concentrado, mais de 65% do total de patrimônio da indústria está sob gestão das 10 maiores assets. Concentração de patrimônio evidencia a pulverização de casas, das 1017 casas atuais, 405 (40% do total) possuem patrimônio sob gestão inferior a duzentos milhões de reais.
Gestão de recursos é um negócio de escala, dependendo da estrutura e dos custos que a asset decide incorrer, vai necessitar de um determinado nível de patrimônio sob gestão para “fazer a conta fechar”. De forma que por esse ponto de vista, para as gestoras de recursos que precisam desse crescimento, a parceria estratégica com agentes de distribuição pode fazer muito sentido.
Em geral, essa parceria estratégica, envolve condições especiais de negociações comerciais, como a remuneração diferenciada da distribuição (oferta) do fundo para a base de clientes das corretoras e das instituições financeiras. Essa remuneração que paga quem oferece o fundo aos seus clientes é chamada no mercado de rebate. Além do rebate da taxa de administração que é pago pela distribuição do fundo, o parceiro estratégico recebe também parte dos lucros, de forma que o parceiro, agora sócio, também se beneficia do crescimento do patrimônio sob gestão das assets que é onde incidem as taxas de administração já conhecidas.
Quando existe essa combinação de remuneração diferenciada pela oferta do produto associada a distribuição do lucro obtida com a receita da taxa de administração que incide sobre o patrimônio líquido, o incentivo criado é de que o parceiro investidor privilegie esse produto em detrimento aos demais na oferta para sua base de clientes. Esse incentivo pode criar vieses que eventualmente podem vir a desalinhar os interesses do ofertante em relação aos interesses do cliente final.
É importante destacar que, no Brasil, não há nenhuma proibição jurídica à existência de transações entre partes relacionadas e embora não haja proibição, por se tratarem de situações que podem gerar desvios de incentivos e criar conflitos de interesses com o investidor, que é quem devemos proteger e respeitar, a existência de tais relações precisa ser tratada com seriedade, disclosure e total transparência.
Patricia Palomo é economista registrada no Corecon-SP sob o número 31071, mestre em políticas públicas e conselheira de empresas.