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A cada novo ano, os brasileiros enfrentam velhos desafios: temporais devastadores e uma elevação contínua nos preços dos alimentos. O cenário de 2025 não foi diferente. Com o governo parecendo um tanto perdido e a indústria tentando escoar seus estoques, surgiram propostas controversas, como a tentativa de comercializar alimentos quase vencidos. Segundo os proponentes, essa seria uma alternativa para reduzir o preço final.

Em 2024, o grupo de alimentos e bebidas registrou uma alta de 7,69%, superando a inflação geral de 4,83%, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Entre os itens que mais pesaram no bolso do consumidor, destacam-se:

Frango: Alta de 1,55%.

Cebola: Após quedas anteriores, aumento de 4,78% em janeiro de 2025, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A elevação se deve, principalmente, à transição da safra.

Tomate: A Conab registrou um aumento significativo de 18%, pressionando ainda mais o custo da cesta básica.

Esses aumentos são impulsionados por múltiplas variáveis, que precisam ser compreendidas para analisarmos a crise.

O Impacto do Dólar e do Clima

A elevação do dólar é um dos principais responsáveis por esses aumentos. Em 2024, a moeda americana se valorizou 25%, impactando diretamente a produção de alimentos, uma vez que diversos insumos essenciais para a agricultura e a indústria são cotados em dólares. Esse aumento é repassado ao produtor, que, por sua vez, repassa ao consumidor final.

Por outro lado, as mudanças climáticas também desempenham um papel crucial nesse cenário. Secas prolongadas, temporais intensos e ondas de calor têm afetado a produção de alimentos, criando instabilidade e contribuindo para a variação dos preços, dificultando previsões no médio e longo prazo.

A Polêmica da Validade dos Alimentos

A tentativa de modernizar o sistema de validade dos alimentos gerou intenso debate. Na última semana, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) propôs a adoção do modelo “Best Before” (melhor consumir até), já utilizado em países como Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e na União Europeia.

Essa mudança, que poderia ser aplicada a produtos não perecíveis, como biscoitos e massas, visava permitir a comercialização de alimentos com preços reduzidos após a data de validade, evitando desperdícios e contribuindo para o acesso mais barato aos consumidores. No entanto, a pressão sobre o governo foi tamanha que o assunto foi retirado de pauta, e a administração federal se colocou contra tal medida.

Essa proposta levantou questões sobre como a indústria poderia equilibrar a necessidade de reduzir perdas com a preocupação com a saúde pública e a segurança alimentar, criando um ambiente de incerteza para os consumidores e os órgãos reguladores.

Existe uma pressão enorme por parte da Vigilância Sanitária sobre restaurantes e, principalmente, sobre quem comercializa alimentos na rua. Caso essa prática se torne realidade, pode-se abrir uma brecha jurídica que enfraqueceria a atuação dos órgãos reguladores.

Números do Desperdício

O desperdício começa na colheita, quando 10% da produção se perde; passa pelo manuseio e transporte, com perdas de 50%; pelas centrais de abastecimento (30%); e chega a supermercados e residências (10%), segundo a ONG Banco de Alimentos.

O ideal seria aperfeiçoar a produção, visando diminuir essa taxa. Parte da colheita no Brasil já está mecanizada, mas o transporte ainda é rudimentar, pois muitas estradas brasileiras não oferecem condições ideais para nenhum tipo de transporte. Em situações assim, é preciso intervenção estatal para melhorar a viabilidade dessas vias.

Um dos fatores que tornam os alimentos mais caros no Brasil é exatamente o transporte, que, além das perdas, ainda sofre com o alto custo do combustível.

Em relação ao consumidor final, campanhas de conscientização sobre compra responsável e armazenamento saudável de alimentos, especialmente frutas e proteínas, seriam importantes.

Soluções para Mitigar o Impacto

Uma das soluções mais discutidas é a redução da carga tributária sobre os alimentos, o que poderia contribuir diretamente para a diminuição dos preços e aliviar o impacto da inflação sobre as famílias. Segundo um levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, os impostos representam, em média, 22,5% do preço final dos alimentos no Brasil.

A proposta de zerar a alíquota de impostos sobre itens essenciais da cesta básica, sancionada no Projeto de Lei Complementar (PLC n° 68/2024), a partir de 2027, é um passo na direção certa. No entanto, é fundamental que o governo considere uma implementação gradual dessa medida para não comprometer ainda mais o equilíbrio fiscal do país. Agora é preciso que essa prática seja replicada por estados e municípios, visando à redução parcial ou mesmo à isenção de impostos sobre os alimentos.

Guerra Fiscal

Não faz sentido que apenas o ente federal zere sua alíquota de impostos sobre alimentos. É essencial aproveitar essa oportunidade para tratar um problema que vai além da questão alimentar e atinge o Brasil como um todo: a guerra fiscal entre estados e municípios. Essa disputa, marcada pela falta de harmonização tributária, impacta diretamente a competitividade das empresas, a eficiência logística e, consequentemente, o custo final dos produtos. Resolver esse conflito é um passo necessário para criar um ambiente mais justo para consumidores e produtores.

Conclusão

A crise no prato é um reflexo de uma série de fatores interligados: a volatilidade do dólar, as mudanças climáticas e o elevado custo tributário no Brasil. É essencial que o governo, a indústria e os consumidores trabalhem em conjunto para buscar soluções que promovam o equilíbrio, sem perder de vista a sustentabilidade econômica.

Como sempre, a responsabilidade pela solução deve ser compartilhada. A redução de impostos sobre alimentos essenciais e a revisão das políticas públicas de abastecimento e desperdício são medidas urgentes para mitigar o impacto dessa crise no cotidiano dos brasileiros