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Vinte e cinco anos separam o surgimento do termo “BRICS” e a 17ª Cúpula do BRICS realizada em julho de 2025 no Rio de Janeiro. Nestas mais de duas décadas muitas transformações no contexto histórico e na agenda política e econômica global deram margem para que os países membros do BRICS pudessem contribuir com uma nova ordem geopolítica global. Por isso, se faz jus relembrar como isso se concebeu e como o Brasil e os BRICS corroboram com o cenário político atual.  

Em novembro de 2001, o economista britânico Jim O’Neill, então chefe de pesquisa econômica global da Goldman Sachs, inventou o termo “BRICS” e o mencionou pela primeira vez em um artigo1 direcionado para investidores onde indicava que esses países teriam um crescimento econômico capaz de impactar o PIB mundial em 10 anos.  

Sua análise baseava-se fundamentalmente em indicadores econômicos como taxas de crescimento do PIB, PIB per capita e tamanho populacional, mas O’Neill também considerava o potencial desenvolvimento político que tais nações poderiam exercer no cenário global. Isso seria reforçado em uma nova publicação2 da Goldman Sachs em outubro de 2003 onde previsões de longo prazo foram apresentadas, mostrando que até 2050 tais economias emergentes seriam maiores do que o G6, na época composto por Estados Unidos, Alemanha, Japão, Reino Unido, França e Itália.   

A primeira reunião do BRICS efetivamente ocorreu em setembro de 2006, paralela à 61ª Assembleia Geral da ONU, com um encontro informal3 entre os ministros das Relações Exteriores dos 4 países (Brasil, Rússia, Índia e China) que tratou dos desafios políticos e globais da época, mas principalmente sobre a insatisfação com a distribuição de poder no FMI e no Banco Mundial, além da indisposição do G8 em incluir potências emergentes em seus encontros decisórios.  

A união entre os países do BRICS propiciou questionar e pressionar pela reforma das estruturas financeiras globais, o que se consolidou em 2008 com a crise financeira originada pelo crédito hipotecário no mercado imobiliário dos EUA que desestabilizou a ordem financeira internacional, abrindo espaço para a multipolarização no cenário geopolítico mundial4. Na época, as principais recomendações feitas pelos ministros das Finanças do BRICS foram acatadas pelos líderes do G20 na Cúpula de Londres de 2009, propiciando que as nações emergentes pudessem usar seus esforços para definir a agenda política. 

Ademais, entre 2006 e 2009, os BRICS passaram de reuniões anuais informais para a realização da 1ª Cúpula do grupo, reforçando-os como uma entidade política em assuntos globais e aprofundando processos de cooperação ampliada. As relações bilaterais se intensificaram ao ponto de a China virar a principal parceira comercial do Brasil a partir de 2009. A China tornou-se a 2ª maior economia global em 2010, superando o Japão, e o Brasil já estava na lista dos 10 maiores PIBs do mundo.  

Em 2011, durante a 3ª Cúpula do BRICS, a África do Sul tornou-se membro oficial e integrou o S na sigla. Sua entrada foi crucial para o grupo desvencilhar-se do conceito original criado por Jim O’Neill, dando aos países membros a legitimidade de decidir sobre seu futuro enquanto BRICS5, mas também fortaleceu a narrativa da cooperação Sul-Sul, diversificando e ampliando a atuação civilizatória e continental do grupo, com base em uma parceria de respeito mútuo que abriu a possibilidade de impulsionar o desenvolvimento dos países-membros. 

Mesmo com regimes políticos distintos entre si, que variam entre governos democráticos e autocráticos, os países membros estabeleceram um modelo rotativo de presidência anual do BRICS que garantiu avanços significativos nos processos de cooperação da entidade, garantindo o compromisso e o protagonismo de cada membro na organização das reuniões e cúpulas, bem como definição da agenda.  

A cooperação intra-BRICS6 ocorreu em mais de 45 temas considerados relevantes para trocas e acordos estratégicos no redesenho de modelos ocidentais de governança. Os países membros uniram-se inicialmente com o desejo de reformar a arquitetura financeira global e, gradativamente, contribuíram com outras áreas, tais como saúde, agricultura, segurança nacional, estatística, academia, ciência e tecnologia, judiciário e comércio.  

Em 2014, na 6ª Cúpula do BRICS, tais países deram um importante passo rumo à institucionalização da entidade, com a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) dos BRICS e o Arranjo Contingente de Reservas7 (ACR/CRA em inglês), fortalecendo a cooperação intragrupo a longo prazo. Segundo a Declaração de Ufá8, “o NBD servirá como instrumento pujante para o financiamento de investimentos em infraestrutura e dos projetos de desenvolvimento sustentável nos BRICS e outros países em desenvolvimento e economias emergentes de mercado”, que visa a cooperação econômica utilizando novos meios para compartilhar riquezas entre si. 

Com o avanço das cooperações, em 10 anos, o BRICS tornou-se um importante foro de articulação político-diplomática de países do Sul Global e de cooperação nas mais diversas áreas, permitindo a entrada de novos países membros e a recepção de países parceiros ao agrupamento.  

Atualmente, o BRICS é composto por 11 países membros9: África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia (membros originais), Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Irã (novos membros incluídos em 2023 e 2024). Além disso, na Cúpula de Kazan criou-se a categoria de países parceiros do BRICS, dando abertura para 10 países: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda, Uzbequistão e Vietnã (incluídos em 2024 e 2025). 

Segundo o Banco Central do Brasil10, os 11 países membros do BRICS representam cerca de 49% da população mundial (3,8 bilhões de pessoas), 39% do PIB global, 36% do território do planeta e 23% do comércio internacional. Ou seja, os BRICS detêm mais de ⅓ dos recursos fundamentais para a estruturação social, política e econômica do planeta.  

Neste ano o Brasil ocupa a presidência do BRICS, sendo responsável por realizar e coordenar a 17ª Cúpula dos BRICS que ocorreu nos dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro. Considerando os desafios globais vigentes, a presidência brasileira do BRICS decidiu focar em 2 temas prioritários: a reforma da governança internacional e a cooperação do Sul Global.  

Da 17ª Cúpula originou-se a Declaração de Líderes do BRICS11 indicando os principais temas e resoluções firmados entre os 11 países membros, tais como: segurança alimentar e nutricional; financiamento climático; governança global da inteligência artificial; reforma da governança global; cooperação econômica e financeira entre os países membros; fortalecimento do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB); cooperação em segurança e cessar-fogo em Gaza; e parceria para a eliminação de Doenças Socialmente Determinadas; e abordou temas como desenvolvimento sustentável, a cooperação em ciência, tecnologia e inovação, e o combate à corrupção.  

Ao estabelecer como tema central o “fortalecimento da cooperação do Sul Global para uma governança mais inclusiva e sustentável”12 e reafirmar que seus princípios são “o respeito e a compreensão mútua, a igualdade soberana, a solidariedade, a democracia, a abertura, a inclusão, a colaboração e o consenso”, o Brasil reafirmou junto ao BRICS sua capacidade de articulação política em prol de interesses difusos, chegando a consensos entre países com regimes políticos distintos.  

Tais contribuições são essenciais para direcionar novas perspectivas para o futuro, impactando na multipolaridade da governança internacional e inclusão da visão do Sul global no debate mundial nos próximos anos. A recente retaliação comercial dos EUA evidencia que a disputa pelo poder de governança no cenário geopolítico já está polarizada e os BRICS se consolidam como um bloco estratégico para reequilibrar o poder global, historicamente dominado por países ocidentais.  

Contudo, essa transição para uma nova ordem internacional multipolar apresenta desafios complexos que os BRICS terão de enfrentar. O primeiro grande desafio é a coesão interna: os países-membros possuem interesses econômicos, modelos de governança e alinhamentos internacionais bastante distintos. Manter uma agenda comum e decisões consensuais (como prevê a diplomacia BRICS) será cada vez mais complexo à medida que o grupo se expande e se diversifica. 

Outro desafio significativo será o de estruturar mecanismos financeiros e comerciais próprios que reduzam a dependência do dólar e do sistema financeiro ocidental. A criação de moedas alternativas ou plataformas de pagamento independentes exige infraestrutura tecnológica robusta, segurança digital e confiança entre os membros. Além disso, os BRICS enfrentarão resistência direta de instituições estabelecidas, como o FMI e o Banco Mundial, que ainda concentram recursos e poder decisório nas mãos do G7. Isso posto, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) precisará se tornar mais eficaz e atrativo para novos membros, com capacidade de financiamento em larga escala e processos ágeis.  

A governança da inteligência artificial e das tecnologias emergentes será outro campo estratégico até 2030. Diante da corrida global por inovação e controle de dados, os BRICS precisarão definir padrões éticos e modelos regulatórios que defendam a soberania digital dos países do Sul Global. Isso inclui desde a proteção contra vigilância e manipulação por potências externas, até o incentivo à cooperação científica e industrial intra-BRICS. A arena digital global, marcada pela disputa entre sistemas ocidentais e orientais, poderá ampliar desigualdades tecnológicas e dificultar o posicionamento do bloco como referência nesse setor.  

No campo climático e ambiental, os BRICS terão o duplo desafio de acelerar a transição energética justa e, ao mesmo tempo, garantir o desenvolvimento econômico de suas populações. A pressão internacional por metas de descarbonização pode conflitar com as necessidades de crescimento de países como Brasil, Índia, África do Sul e outros. A mobilização de recursos para financiamento verde e o acesso à tecnologia limpa são temas centrais. Será necessário que o grupo atue como voz unificada nas COPs e crie mecanismos próprios de financiamento climático, evitando imposições de países desenvolvidos.  

Por fim, o principal desafio político será manter a relevância internacional sem cair em antagonismos binários. A multipolaridade não significa automaticamente rivalidade com o Ocidente, mas sim pluralidade de centros de decisão. Os BRICS terão que exercer um papel de ponte (especialmente entre o Norte e o Sul Global) defendendo reformas em instituições multilaterais (como ONU e OMC), promovendo diálogo e articulando soluções conjuntas para crises globais, como pandemias, conflitos armados e migrações forçadas. Serão exigidas liderança diplomática, capacidade de negociação e um projeto de futuro comum que ultrapasse as assimetrias internas do grupo. 

O Brasil tem um papel fundamental em todas essas nuances, considerando os recursos internos disponíveis e o interesse nacional de ampliar seu crescimento e desenvolvimento econômico e social, com base no art. 3º da CF/88, culminando com o posicionamento político e soberano do país junto aos demais países membros do BRICS. A excelência diplomática brasileira possibilita que o Brasil se manifeste com base em princípios democráticos junto aos países ocidentais e transite estrategicamente por espaços de negociação com mais fluidez. Os próximos passos na presidência do BRICS e na realização da COP 30 serão determinantes para tal direcionamento internacional.