Desde a adoção do tripé macroeconômico, em 1999 — câmbio flutuante, meta de superávit primário e meta de inflação —, o controle da inflação passou a receber maior atenção de todos os agentes econômicos. Nesse contexto, a taxa de juros básica da economia, a Selic, ganhou centralidade. No entanto, a utilização
recorrente e quase que exclusiva desse instrumento, sem considerar as causas estruturais e conjunturais da inflação, desencadeia uma série de problemas para a sociedade brasileira.
Um dos efeitos negativos de uma taxa Selic muito elevada é o impacto sobre a trajetória da dívida pública, uma vez que as expressivas despesas com juros têm sido o principal fator a impulsionar o aumento do endividamento e a deterioração da percepção sobre o risco fiscal. Em 2024, os gastos com juros atingiram R$ 950 bi, contribuindo para um déficit nominal de R$ 998 bi.
Comparativamente, em 2024, foram dispendidos R$ 193 bi, em Saúde, e outros R$ 137 bi, em Educação. A soma dessas duas rubricas equivaleu cerca de 1/3 da despesa com juros. Para 2025, projeta-se um custo de juros superior a R$ 1 tri, restringindo os investimentos e perpetuando a pressão sobre o Orçamento Público. Como resultado, a política monetária tornou-se um perverso mecanismo de concentração de riqueza, num País que já é extremamente desigual.
As taxas de juros e de câmbio, bem como o salário real, formam os chamados macropreços — parâmetros que impactam significativamente a estabilização da economia. A gestão equilibrada dessas variáveis é central para evitar ciclos de euforia seguidos de crises, ambos prejudiciais ao desenvolvimento econômico
sustentável.
A inflação pode ter diversas origens, como o aumento da demanda, a escassez/choque de oferta — muitas vezes resultante de crises climáticas —, a desvalorização cambial e a inércia inflacionária, esta decorrente da indexação de preços e salários. Na última ata do Banco Central (BCB), aquela que justificou o mais recente aumento dos juros, os principais fatores para a elevação do IPCA foram: alimentação no domicílio (8,22%), inflação de serviços (4,77%), bens industriais (2,89%) e preços administrados, como a gasolina (alta de 9,70%).
Curiosamente, os bens industriais, que ajudaram a conter a inflação em 2024, foram incluídos na explicação do BCB, apesar de sua variação ter ficado abaixo do centro da meta.
A alta dos preços dos produtos industriais reflete, em grande parte, os impactos da desvalorização do real. Para mitigar essa dependência de bens e insumos cotados em dólar, torna-se fundamental avançar na neoindustrialização, fomentando a participação do Brasil como protagonista nas cadeias globais de valor. Assim, as seis missões da Nova Indústria Brasil (NIB), que buscam fortalecer a competitividade sistêmica, fomentar a geração de emprego e renda, além de incentivar pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica, devem ser perenes. É fundamental que esta política seja encarada como uma estratégia de Nação e, portanto, de longo prazo.
Em relação ao câmbio, nosso País possui reversas substantivas e, nesse campo, o Banco Central precisa estar atento no sentido de fazer intervenções pontuais para evitar uma desvalorização cambial que possa impactar os preços de produtos e insumos importados que resultam no aumento da taxa de inflação.
Retomando o tema principal, o maior impacto inflacionário veio da alta dos preços dos alimentos, influenciada por fatores climáticos, como as secas e as enchentes, além do ciclo do boi, que afeta a oferta de carne. Nessas situações, o aumento da Selic tem pouca ou nenhuma eficácia, pois os juros elevados não reduzem o preço dos alimentos nem alteram as condições climáticas. Ao contrário, aumenta o custo do capital para todos e isso vai ser repassado aos preços. O sacrifício da redução da inflação recai sobre toda a sociedade, especialmente para os tomadores de recursos financeiros.
Diferentemente das soluções provisórias que têm sido propostas, a pressão dos alimentos sobre a inflação exige medidas estruturais voltadas ao longo prazo. A criação de estoques reguladores, como fazem os governos dos EUA e da China, permitiria ao Brasil suavizar as variações sazonais e as crises de oferta. Além
disso, a maior cobertura de seguros para o setor rural poderia proteger produtores e garantir estabilidade neste mercado.
Historicamente, o Plano Safra, com recursos de R$ 400 bilhões na última edição, desempenha papel crucial na sustentação do setor agropecuário. Entretanto, em cenários de alta volatilidade, a importação temporária de alimentos pode ser uma alternativa estratégica. Outra proposta, sabidamente polêmica, seria a criação de
impostos sobre exportações de commodities para garantir oferta suficiente ao mercado interno.
Vale destacar, o Banco Central baseia suas decisões de política monetária em expectativas de inflação captadas pela pesquisa Focus, realizada com 170 instituições, majoritariamente do setor financeiro. Notavelmente, apenas três federações industriais (FIERGS, FIEMG e FIRJAN), além da CNI, participam do
levantamento, enquanto há banco que contribuí duplamente. É importante estudar melhor esse viés informacional que advém deste levantamento, já que ele é determinante para a decisão do Comitê de Política Monetária (COPOM), pois apenas a questão reputacional não parece ser suficiente para afastar outros interesses não tão republicanos que possam estar intrinsicamente presentes. Faz se necessário que outros setores da economia além do financeiro como industrial, de serviços e trabalhadores sejam ouvidos. A pesquisa Firmus do BCB, ainda em sua fase piloto, é uma excelente iniciativa, mas longe de ser suficiente.
Na realidade, é forçoso reconhecer que a sempre alegada questão fiscal tem uma importância mais limitada, do que aquela alegada por parte dos “especialistas”, para a definir a paridade entre o real e o dólar, com reflexos na inflação. Primeiro, sem nenhum novo pacote fiscal, o real foi uma das moedas que mais se valorizou em janeiro de 2025. Fatores externos e o próprio exagero especulativo de 2024 mostraram-se mais proeminentes, comparativamente. Segundo, o governo cumpriu a meta primária do orçamento com déficit de R$ 11 bi, equivalente a 0,1% do PIB, dentro da margem de tolerância, sem que isso tenha suscitado
declarações em favor de uma interrupção na trajetória de juros, por parte dos “fiscalistas”.
Como se vê, a questão fiscal não é a panaceia. Isso não significa dizer que a responsabilidade fiscal deva ser negligenciada. Ao contrário, é essencial combater os desperdícios, a sonegação, a corrupção, as desonerações sem contrapartidas aferíveis e as ineficiências. No mesmo sentido, é fundamental trabalhar para a melhor eficiência de todo o aparato público, de forma que o contribuinte possa perceber o retorno do seu esforço a partir da qualidade na contraprestação ao seu sacrifício.
Diante desse cenário, o Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo defende um amplo debate sobre as reais causas e os efeitos da inflação, no sentido de compreender os instrumentos mais adequados para seu controle. É basilar buscar soluções, baseados no Art. 3º Inciso III da Constituição Federal que ajudem a superar as desigualdades socioeconômicas — uma das tristes marcas históricas do Brasil.
CONSELHO REGIONAL DE ECONOMIA DA 2ª REGIÃO – SP