Em outubro de 2025, durante o Congresso Brasileiro de Economia realizado em Porto Alegre (RS), uma comitiva formada por conselheiros do Cofecon e dos Corecons aproveitou a oportunidade para visitar a sede da Cooperativa Justa Trama, localizada na capital gaúcha. O grupo foi recebido pela presidenta da instituição, Nelsa Nespolo, que apresentou as iniciativas e conquistas da rede.
A Justa Trama é um exemplo de cadeia produtiva sustentável e solidária, reunindo trabalhadores e trabalhadoras de diferentes estados do Brasil. Composta por duas associações e três cooperativas, a rede é responsável pela produção de roupas, acessórios e brinquedos a partir do algodão agroecológico, promovendo o comércio justo e relações de produção sem exploração.
Nelsa falou aos visitantes sobre a importância do modelo de economia solidária promovido pela Justa Trama. “A economia solidária não é apenas um modo de vida, mas um modelo de desenvolvimento diferenciado. Acreditamos em um mundo onde é possível ter ganhos respeitando e preservando o meio ambiente, além de dividir os resultados de maneira justa”, afirmou.
O algodão agroecológico utilizado pela cooperativa é cultivado por pequenos agricultores no Ceará e no Rio Grande do Norte, sem o uso de agrotóxicos. Vale ressaltar que o algodão tradicional é uma das culturas que mais utiliza agrotóxicos no Brasil, o que reforça o impacto positivo da iniciativa da Justa Trama. O algodão é transformado em fios em Minas Gerais e segue para o Rio Grande do Sul, onde se tornam roupas, acessórios e brinquedos. Em Rondônia, retalhos são utilizados na confecção de bonecas e outros artigos.
A Justa Trama promove um modelo de desenvolvimento diferenciado baseado na economia solidária, que não apenas garante produtos livres de agrotóxicos, mas também valoriza o trabalho coletivo e sustentável. “O que mais me chamou a atenção foi perceber que ela nasce não apenas como um negócio, mas como um movimento de transformação social”, comentou o economista Carlos Eduardo Soares de Oliveira Júnior, integrante da Comissão de Responsabilidade Social e Economia Solidária do Cofecon. “Hoje a rede conecta agricultores, fiadores, tecedores, costureiras e artesãos em cinco estados brasileiros, todos comprometidos com um modelo que valoriza pessoas e respeita o meio ambiente”.
A visita da comitiva do Cofecon e dos Corecons ao espaço da Justa Trama foi uma oportunidade para conhecer de perto o impacto positivo da economia solidária na vida das pessoas e na preservação ambiental. A iniciativa serve como exemplo de que é possível aliar desenvolvimento econômico, justiça social e sustentabilidade em uma mesma cadeia produtiva.
“Experiências como esta mostram que o desenvolvimento não precisa estar atrelado à exploração ou degradação ambiental”, prossegue Oliveira. “Para economistas e estudantes, o modelo é um convite para ampliar horizontes: considerar indicadores que vão além do PIB, incorporar métricas de bem-estar, equidade e impacto ambiental. É também um chamado para repensar políticas públicas e estratégias empresariais”.
Os produtos da cooperativa estão disponíveis para compra no site oficial do projeto: www.justatrama.com.br.
Trabalho e Solidariedade
Além de transformar a vida dos trabalhadores envolvidos na cadeia produtiva, a Justa Trama tem um impacto significativo na comunidade local. No bairro Sarandi, em Porto Alegre, onde está situada a cooperativa, a entidade desempenhou um papel fundamental na reconstrução da Vila Nossa Senhora Aparecida após as enchentes de maio de 2024, que devastaram muitas casas.
“A sede da cooperativa não foi atingida, mas se tornou um ponto de referência para a comunidade. Aqui as pessoas encontraram doações, apoio emocional e solidariedade“, relembrou Nelsa emocionada.
A conselheira federal Fabíola de Paula, que integra a Comissão de Responsabilidade Social e Economia Solidária do Cofecon, participou da visita e ressaltou a importância de os Conselhos Regionais de Economia se aproximarem das atividades de economia solidária. “O Estado não dá conta de tudo que a sociedade precisa”, observa a economista. “Quando houve o desastre em Porto Alegre, o poder público entregou alimentos e abrigo. A Justa Trama capacitou as pessoas para voltar ao mercado de trabalho. O banco social deu oportunidade e viabilidade econômica para comprar equipamentos e gerar renda. É muito importante que os Corecons se aproximem destas atividades”.
“A experiência da Justa Trama mostra que a transição ecológica não se faz apenas com novas tecnologias ou metas de carbono, mas sobretudo com mudanças na lógica de produção, renda e governança”, comenta a conselheira federal Elis Braga Licks, coordenadora da Comissão Sustentabilidade Econômica e Ambiental do Cofecon. “A rede mostra que é possível estruturar cadeias completas com critérios de justiça social, baixo impacto ambiental e transparência. Políticas públicas de transição ecológica podem induzir esse padrão ao condicionar acesso a crédito, compras públicas e incentivos fiscais ao desempenho socioambiental da cadeia”.
Entre as conquistas recentes da cooperativa está a seleção em um edital do Grupo Hospitalar Conceição, 100% SUS, para fornecer enxovais agroecológicos aos hospitais da rede. A notícia foi recebida em março de 2025, mês que simboliza a luta das mulheres, reforçando o impacto social e ambiental positivo gerado pela Justa Trama.
O funcionamento da Justa Trama
O modelo de funcionamento da Justa Trama abrange diversas etapas da produção, desde o plantio do algodão agroecológico até a comercialização dos produtos. A Rede do Algodão Agroecológico Solidário envolve cinco estados e conta com cerca de 700 cooperados e cooperadas. Entre os destaques estão:
- AADEC (Tauá, CE): responsável pelo plantio do algodão agroecológico branco.
- Associação Xique Xique (Mossoró, RN): cultiva o algodão colorido rubi, plantado em consórcio com feijão, milho, gergelim e fava.
- Coopertextil (Pará de Minas, MG): realiza a tecelagem, acabamento e estampa dos tecidos.
- Cooperativa Univens (Porto Alegre, RS): cuida da confecção das roupas da Justa Trama, incluindo serigrafia, tingimento e bordados.
- Grupos em Porto Alegre (RS): As Tricoteiras produzem roupas com cordões reaproveitados da tecelagem, enquanto a Inovarts confecciona brinquedos pedagógicos com retalhos.
- Cooperativa Açaí (Porto Velho, RO): produz bonecas e personagens brasileiros com retalhos, além de colares e botões feitos de sementes.

“A Justa Trama confirma três pilares do que o Cofecon e a Comissão vêm defendendo: sustentabilidade como política econômica, economia solidária e circular como base do desenvolvimento e centralidade da justiça social na agenda climática”, afirma a conselheira federal Elis Licks. “Ao distribuir valor, garantir trabalho digno e reduzir impactos ambientais, o modelo observado reafirma o argumento levado pelo Cofecon: não existe desenvolvimento sustentável sem equidade econômica e territorial. Defendemos uma transição que seja justa para as pessoas, para os territórios e para o clima, e não apenas verde nos indicadores”, finaliza.
