Durante boa parte do século XX, proteger o mercado interno parecia a fórmula mágica para fazer a indústria sul-americana crescer. Tarifas altas, incentivos generosos, substituição de importações. A ideia era simples: deixar de comprar de fora para produzir dentro de casa. Mas, como mostra um estudo recente publicado pelo NBER, a história foi menos linear do que gostamos de contar. E o protecionismo, embora tenha dado impulso no início, acabou deixando cicatrizes difíceis de apagar.
Ao analisar 120 anos de industrialização em Argentina, Brasil, Chile e Colômbia, o estudo revela que não houve uma única trajetória. Nem um único erro. Nem uma única salvação. Cada país seguiu seu caminho, determinado por uma mistura de condições iniciais como infraestrutura, urbanização e educação e decisões políticas ao longo do tempo. O que os dados mostram, no entanto, é que não basta erguer barreiras para construir uma indústria sólida. É preciso muito mais do que isso.
Nos anos de ouro da substituição de importações, entre 1950 e 1970, o Brasil acelerou. Saiu dos bens simples para setores mais pesados e complexos. A Colômbia também avançou, com certa consistência. Já a Argentina, mesmo tendo largado na frente, tropeçou na falta de continuidade. E o Chile, entre altos e baixos, tentou acompanhar. Em comum, todos enfrentaram um mesmo dilema: uma indústria que crescia no papel, mas que, na prática, produzia pouco avanço em produtividade. Sem concorrência externa, sem pressão para inovar, muitas empresas se acomodaram. E, com o tempo, passaram a depender de estímulos constantes para continuar de pé.
Os autores criaram um índice para medir o grau de proteção real enfrentado pelos produtores. E os resultados são reveladores. Brasil e Colômbia, com proteções mais estáveis e políticas menos erráticas, colheram frutos. Argentina e Chile, com idas e vindas, não conseguiram sustentar seus ciclos industriais. Mas mesmo onde o modelo parecia funcionar, havia distorções. O mercado interno fechado, os preços inflados, os incentivos sem contrapartida. E nenhuma estratégia clara para competir lá fora.
O tempo cuidou de mostrar os limites. A crise da dívida nos anos 1980 sacudiu estruturas. A abertura comercial nos anos 1990 expôs fragilidades que estavam escondidas sob a proteção. Mas o mais surpreendente é que o processo de desindustrialização já havia começado antes das reformas. O modelo não ruía só por causa da concorrência estrangeira. Ele já estava implodindo por dentro.
Quando olhamos para o Leste Asiático, o contraste é gritante. Lá, as tarifas também existiram. Mas tinham prazo. Tinham foco. Tinham metas. A indústria cresceu olhando para o mundo, e não apenas para dentro das fronteiras. O que o estudo revela é que não é a proteção, por si só, que compromete o futuro industrial. É a forma como ela é usada. É a ausência de estratégia, de inovação, de disciplina.
A história da industrialização na América está longe de ser uma vitória incontestável. Foi um processo com ganhos reais, mas também com muitas oportunidades desperdiçadas. Tarifas e substituição de importações abriram caminhos, mas não ensinaram a andar. E hoje, em pleno século XXI, enquanto o mundo volta a flertar com guerras tarifárias e disputas comerciais acirradas, o passado sul-americano acende um alerta: proteger pode ser necessário em certos momentos, mas proteger sem estratégia, sem foco em produtividade e sem preparação para o longo prazo é como construir muros onde deveriam existir pontes. Se a nova onda de protecionismo global for usada como desculpa para repetir velhos erros, corremos o risco de, mais uma vez, esquecer que o desafio não é apenas produzir e sim, competir, inovar, prosperar e crescer de forma sustentável.
Patricia Palomo é economista, mestra em Politicas Publicas e conselheira de empresas.