Quando o governo norte-americano revogou o visto dos ministros do Supremo Tribunal Federal, enviou um sinal claro: as tensões com o Brasil ultrapassam as tarifas comerciais. A mensagem é inequívoca — Washington está disposto a isolar o país também no campo diplomático. E, para o Brasil, esse é o pior momento possível para o isolamento.
A China, nosso principal parceiro comercial, enfrenta seus próprios dilemas. Um dos mais sensíveis é o colapso no setor imobiliário, com a crise da Evergrande ainda sem solução definitiva. Segundo dados do Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC), as exportações brasileiras para o país asiático somaram US$ 47,7 bilhões no primeiro semestre de 2025, uma queda de 7,5% em relação ao mesmo período de 2024 — o pior desempenho desde 2015.
Na Europa, a situação também não inspira otimismo. O continente concorre com o Brasil no agronegócio e passa por desafios econômicos, embora mantenha a inflação sob controle, em torno de 2%, dentro da meta do Banco Central Europeu.
Já no Brasil, o cenário é mais preocupante. A inflação atingiu 5,35% em junho de 2025, marcando o nono mês consecutivo acima do teto da meta estipulado pelo Banco Central, de 4,5%. Em um movimento de antecipação aos riscos, o mercado financeiro reagiu: após testar a máxima na região dos 140.243 pontos, a B3 recuou para 133.382 pontos na última sessão.
Se não mudarmos o jogo, podemos ter elevação do dólar, alta da inflação e, por consequência, a necessidade de elevar ainda mais a taxa de juros. Essa política monetária restritiva gerará crédito mais caro e poderá aumentar o desemprego.
O que isso tudo sinaliza?
O Brasil não pode se isolar. Pelo contrário, deve buscar urgentemente caminhos complementares:
Reconstruir o consenso diplomático, especialmente com os Estados Unidos
Mesmo com divergências políticas e ideológicas, os EUA continuam sendo um parceiro comercial, institucional e estratégico essencial. Negligenciar essa relação pode resultar em perda de investimentos, sanções informais e dificuldades em organismos multilaterais. A reaproximação, com equilíbrio e pragmatismo, é vital.
Criar um ambiente favorável ao investimento produtivo
A retomada da confiança passa por uma reforma tributária justa, controle de gastos, equilíbrio fiscal e abertura comercial seletiva — importando apenas o que não somos capazes de produzir eficientemente. Além disso, desonerar setores estratégicos, como combustíveis, energia e transporte, é crucial para reduzir os custos de produção.
A infraestrutura logística também precisa entrar no centro do debate. Um país que depende do transporte rodoviário como o Brasil está sempre vulnerável a choques. É hora de investir no modal ferroviário e hidroviário, reduzindo os custos e aumentando a competitividade nacional.
A armadilha da dependência de commodities
O Brasil é ainda excessivamente dependente de exportações de commodities. Em momentos de retração global, isso se torna um ponto fraco, não uma vantagem. Por isso, é essencial diversificar mercados e fortalecer laços com regiões em crescimento, como a África — um continente com população jovem, recursos naturais e demanda crescente — e a Índia, que já é a quinta maior economia do mundo e desponta como possível substituta da China em cadeias globais de suprimento.
Uma nova doutrina regional: a América Latina para os latino-americanos
Por fim, o Brasil precisa formular sua própria doutrina regional, voltada à integração latino-americana, cooperação multilateral e protagonismo responsável.
Se os Estados Unidos já disseram um dia “a América para os americanos”, talvez seja hora de o Brasil afirmar:
“A América Latina para os latino-americanos” — com soberania, visão estratégica e liderança madura.
Conclusão:
O Brasil está em xeque. Os próximos passos determinarão se seremos apenas mais um espectador dos rearranjos geopolíticos — ou se finalmente assumiremos o papel de protagonista em nossa própria história.