Apesar de avanços no PIB e na macroeconomia, o Brasil segue convivendo com desigualdade, pobreza estrutural e acesso desigual às oportunidades.
Quando era criança, eu sempre imaginava como seria o Brasil do futuro. Lembro que, na época, usava-se a expressão “países do Terceiro Mundo”, termo que caiu em desuso após a Guerra Fria, sendo substituído por “países emergentes” ou “em desenvolvimento”. O Brasil surgia como um tigre, talvez até mais forte que os asiáticos. Para selar esse avanço, conquistamos o selo de Investment Grade, concedido por agências de risco a países que mantêm sua “casa em ordem”.
Nosso período de maior crescimento econômico ocorreu entre 1920 e 1980, quando registramos uma das maiores expansões do PIB per capita do mundo. Foi a era da industrialização tardia liderada por Getúlio Vargas, da construção de Brasília e das políticas econômicas do regime militar.
A década de 1980, no entanto, trouxe a segunda crise do petróleo e altíssimas taxas de inflação, ficando conhecida como a década perdida. Já os anos 1990 são considerados uma segunda “década perdida” por alguns analistas, embora o IBGE registre um crescimento de 18,1% no período.
Entre 2001 e 2010, o Brasil viveu novo impulso, com crescimento per capita de 28%. Nem a crise do subprime, que abalou economias centrais, nos atingiu com força — talvez por termos menos laços com os mercados norte-americanos. Mas a partir de 2011, tudo começou a ruir. A crise grega, a queda do petróleo e outras turbulências tornaram o cotidiano do brasileiro ainda mais árido.
E uma pergunta ecoava: como podemos ser uma das maiores economias do mundo e, ainda assim, conviver com tanta pobreza?
A resposta pode estar no conceito de Belíndia, criado por Edmar Bacha. Uma nação que combina uma minoria com padrão de vida da Bélgica, enquanto a maioria vive como na Índia. Mesmo com conquistas macroeconômicas, não conseguimos convertê-las em bem-estar coletivo. A frase clássica do ex-ministro Antonio Delfim Netto — “É preciso fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo” — segue viva, mas sua promessa, não.
A Bélgica cresceu e distribuiu. Já a nossa periferia cresceu menos e continua à margem. Ela conseguiu se formar, mas não tem emprego. Arrumou emprego, mas o salário é baixo. Comprou a casa própria, mas paga duas — quando consegue pagar.
O bolo cresceu, sim. Mas continua sendo servido apenas aos moradores da “Manhattan Paulista”, essa ilha de prosperidade cercada por marginais e desigualdade. Temos bancos com padrão internacional, mas também uma população endividada. Temos hospitais de referência, mas também gente morrendo sem atendimento a poucos quilômetros dali. Os números das políticas macroeconômicas são frios. Mas a fome é quente. E perturbadora. Devemos nos orgulhar do crescimento conquistado, mas também nos indignar com sua má distribuição. O milagre econômico foi real — mas só para poucos.
É aqui que o PIB engana. Ele mede o tamanho do bolo, mas ignora quem não tem acesso às fatias. Um número pode subir, enquanto milhões descem na escala social. E isso tem nome: crescimento excludente.
Em 2024, o IDH brasileiro era de 0,760, colocando o país na 89ª posição entre 193 nações. Parece razoável — até lembrarmos que ainda há milhões de brasileiros sem saneamento básico. A economia precisa voltar a servir às pessoas — e não o contrário. Um país que cresce deixando a maioria para trás não progride: apenas finge prosperidade para agradar aos mercados. E o custo dessa farsa, como sempre, recai sobre o povo.
Nossa missão, talvez como a do apóstolo Paulo, nunca será confortável — mas sempre necessária. Precisamos sonhar com um Brasil onde a prosperidade não seja uma ilha, mas um continente compartilhado.
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Beleza / Distribuído para Minha Lista