Aquilo que parecia impossível aconteceu nos últimos dias. O time de torcedores da economia chinesa vibrava quando o país se colocava em posição de ataque ao tarifaço de Trump.
Enquanto alguns anunciavam uma guerra perdida para os EUA, outros mais ousados profetizavam: a China ultrapassaria os Estados Unidos até 2030.
Em certos momentos, eu me lembrava daquelas pessoas que vivem prevendo o fim do mundo ou tentando adivinhar quem será o próximo anticristo. Talvez valha recordar que, originalmente, o número 666 — a chamada “marca da Besta” — era uma referência ao imperador romano Nero. Os primeiros cristãos, por meio da gematria hebraica, codificaram “Neron César”, cuja soma resultava exatamente em 666.
Essa reflexão nos serve para lembrar que previsões catastróficas e alarmismos são, muitas vezes, ferramentas para moldar narrativas de poder. Assim como Nero simbolizava a opressão do seu tempo, também devemos olhar criticamente para as grandes potências econômicas e os discursos que as cercam.
Depois de semanas de disputa, a China cedeu e deu a Trump exatamente o que ele queria: maior abertura ao mercado chinês.
Os EUA importaram US$ 438 bilhões em bens da China em 2024, enquanto exportaram apenas US$ 143,5 bilhões para lá, segundo dados do Escritório do Censo dos EUA. E a tarifa de 145% imposta por Trump sobre as importações chinesas é apenas a linha de partida.
Nesse contexto, é a China que depende dos Estados Unidos — e não o contrário. Enquanto o Brasil se desgasta na linha de frente, tentando agradar “Nero”, Xi Jinping negocia com pragmatismo e reabre seu país aos norte-americanos.
Contudo, ao mesmo tempo em que sela acordos com o Ocidente, a China segue pavimentando seu próprio imperialismo mundo afora. Na África, por exemplo, fornece armas ao Sudão em troca do acesso a reservas minerais. Ela vem construindo, silenciosamente, sua influência global por meio de investimentos, infraestrutura e comércio — sem disparar um único tiro.
Enquanto o Brasil enche as mesas chinesas com alimentos e fornece matéria-prima para a construção de um império, continua importando todo tipo de tecnologia do país asiático.
O leitor atento pode questionar: “Mas a China não invade países como os EUA”. De fato, não precisa. A dominação hoje pode ser sutil — via comércio, tecnologia e, principalmente, pelo domínio das ideias.
Essa estratégia remete ao alerta de Friedrich Hayek, em O Caminho da Servidão, quando advertia que economias excessivamente controladas tendem, cedo ou tarde, a escorregar para o autoritarismo. A dominação sem armas, mas com vigilância, obediência e controle total do fluxo de informação, é talvez ainda mais eficiente — e mais perigosa.
No entanto, esse modelo pode estar com os dias contados.
Após a guerra física entre China e Índia em 1962, ambos os países mergulharam em uma “guerra fria”. São parceiros no BRICS, têm acordos comerciais, mas há uma disputa latente. E a Índia está ganhando terreno.
Desde a pandemia, muitas empresas vêm abandonando a China. Recentemente, esse movimento se intensificou, com grandes multinacionais encerrando suas operações locais. A Apple, por exemplo, após o tarifaço acelerou seu processo de saída.
Do outro lado, a Índia não para de crescer. Já é a quinta maior economia do mundo — e a mais populosa. Esse fator demográfico é vital para quem deseja crescer de forma sustentável: é preciso gente nas ruas, consumindo e produzindo.
E a Índia sabe usar essa vantagem. Seu consumo interno representa cerca de 70% do PIB. Além disso, a estratégia “Made in India” tem, silenciosamente, atraído cada vez mais empresas para seu território.
Claro, há muito o que melhorar: infraestrutura, urbanização, segurança jurídica. Mas a Índia conta com uma arma estratégica que a China não tem — a familiaridade cultural com o Ocidente e o inglês falado por boa parte da população.
E o Brasil? Como está se posicionando nessa nova ordem mundial?
Infelizmente, não está. Somos figurantes em um palco onde deveríamos ser protagonistas. Enquanto o mundo se reorganiza, seguimos divididos, míopes e sem um projeto nacional claro.