Realizado de 6 a 10 de outubro, em Porto Alegre, o XXVI Congresso Brasileiro de Economia promoveu discussões sobre as oportunidades e os desafios da profissão de economista. Nesta edição de 2025, o tema central foi “Desenvolvimento Sustentável: Reconstrução, Desafios e Oportunidades”.
Ao longo da programação, painéis destacaram a relevância da atuação pericial do economista, bem como a importância da credibilidade e da imparcialidade nessa área.
O exercício da perícia econômico-financeira vem ganhando cada vez mais relevância no cenário jurídico e no mercado de trabalho, abrindo novas possibilidades de atuação para economistas em processos judiciais e extrajudiciais. Esse foi o foco do painel “O Mercado de Trabalho do Economista Perito”, que reuniu os especialistas Margareth Bellinazo e Luis Adelar Ferreira. Os participantes destacaram que a perícia exige sólida formação técnica, responsabilidade ética e constante atualização, sendo uma área promissora — mas que só se sustenta com credibilidade profissional.
A economista Margareth Bellinazo, que atua como assistente técnica, destacou que a perícia econômica é um trabalho que exige rigor e atualização constante. “O assistente técnico é o economista que presta consultoria especializada a advogados e clientes, ajudando a traduzir dados e informações de forma precisa e compreensível para o juiz. É um trabalho de bastidor, mas que exige muito preparo”, explicou. Segundo ela, o domínio técnico e a qualidade das análises são determinantes para consolidar a credibilidade do profissional. “A qualidade do trabalho é o que constrói a credibilidade do profissional. Sem isso, o mercado não se sustenta”, reforçou.
Já Luis Adelar Ferreira, que atua como perito do juiz, lembrou que a imparcialidade é o elemento central da função. “O perito do juiz é o profissional de confiança do magistrado, responsável por analisar as provas técnicas e traduzir o conteúdo econômico com clareza e imparcialidade. O economista que assume essa função precisa compreender que seu trabalho pode ser determinante para a decisão judicial”, observou. Ele destacou ainda que “não basta dominar cálculos ou planilhas. O juiz precisa confiar que o economista está apresentando a verdade dos fatos, dentro da técnica e da ética”.
Perícia bancária, um campo que exige domínio técnico e atualização constante
Economista Paulo Roberto Godoy destaca que maioria das perícias no Judiciário é econômico-financeira e defende protagonismo do economista na área
Com mais de 50 anos de atuação profissional, o economista Paulo Roberto Godoy trouxe ao XXVI Congresso Brasileiro de Economia uma análise direta e fundamentada sobre a perícia financeira bancária, área estratégica dentro dos processos judiciais que envolvem operações de crédito e contratos financeiros. Em sua palestra, ele enfatizou que esse tipo de perícia não deve ser tratado como um campo isolado, mas sim como parte essencial da perícia econômico-financeira – área de atuação legítima do economista perito.
“A grande maioria das perícias deferidas pelo Judiciário não são contábeis, mas sim econômico-financeiras. É fundamental que os tribunais reconheçam isso e passem a nomear economistas para esses casos”, defendeu o economista. Ele abordou operações como cartões de crédito, leasing, crédito consignado, financiamentos imobiliários e agrícolas, e explicou que o perito deve ter domínio absoluto das fórmulas e metodologias aplicadas nos contratos. “O perito é auxiliar do juiz. Ele não está ali para opinar, mas para apresentar conclusões objetivas, embasadas tecnicamente”, afirmou.
Entre os exemplos citados, destacou as diferenças entre ano civil e comercial nos cálculos de juros, a capitalização de juros em períodos inferiores a um ano e as mudanças trazidas pela Lei nº 14.905/2024 e pela Resolução 5.171 do Conselho Monetário Nacional, que introduziram o conceito de taxa legal com base na Selic e no IPCA-15. “Essas novas regras poderão ser aplicadas retroativamente, o que afetará milhares de ações em curso”, alertou.
Godoy defendeu que o economista perito deve dominar matemática financeira, correção monetária e interpretação contratual, além de manter constante atualização técnica. “Não basta ter curso superior. É preciso formação específica, ética, clareza na redação e constante atualização técnica”, reforçou.
Perícia econômico-financeira como instrumento de transparência e confiança no Judiciário
Conselheiro do Corecon-SP aborda prestação de contas como campo de atuação do economista perito que exige domínio técnico e jurídico
O economista José Marcos de Campos, conselheiro do Corecon-SP e coordenador da Comissão de Perícia, ressaltou que a perícia econômico-financeira desempenha um papel decisivo no Poder Judiciário na construção de soluções justas e tecnicamente fundamentadas. Ao abordar o tema “Perícia econômico-financeira de prestação de contas”, ele destacou que essa atividade exige não apenas rigor metodológico, mas também sólida compreensão dos fundamentos jurídicos que orientam os processos. “Trata-se de uma função de confiança do juiz, que lida diretamente com patrimônio, responsabilidade e interesse público”, observou.
“Nós precisamos ter um conhecimento aprofundado também das questões de direito. Os conceitos jurídicos são fundamentais para desempenhar com proficiência uma missão que é de confiança do juiz”, afirmou Campos, lembrando que o trabalho do perito envolve, em última instância, a vida e o patrimônio de terceiros.
O economista explicou que a perícia em ações de prestação de contas é uma prerrogativa compartilhada entre economistas e contadores, e que muitas vezes o Judiciário ainda associa esse tipo de processo exclusivamente à contabilidade. “É essencial reforçar que a prova em juízo, nesses casos, é econômico-financeira e está dentro da nossa prerrogativa profissional”, ressaltou.
Campos detalhou o funcionamento da ação de exigir contas prevista no Código de Processo Civil, esclarecendo que o perito não presta contas por ninguém, mas examina e elucida as informações apresentadas pelas partes. “Quando o perito assume a prestação, ele traz para si uma responsabilidade que não é dele”, alertou.
Com base em exemplos práticos — como casos envolvendo condomínios, fundos de investimento, inventários e curatelas —, o economista reforçou que a perícia é uma ferramenta de governança e transparência, essencial para garantir decisões técnicas e fundamentadas. “O perito não julga, ele fornece ao juiz os elementos técnicos que permitem uma decisão justa”, explicou.
A importância do economista na avaliação econômica de empresas
“O perito trabalha com o valor econômico, e não apenas com o preço de mercado”, apontou o economista perito Jaime Macadar
A relação entre perícia e justiça econômica também foi o ponto de partida para a palestra do economista Jaime Adrian Moron Macadar, na palestra “Avaliação econômica de empresas nos processos judiciais”. O especialista trouxe uma reflexão sobre o papel do economista perito nas disputas que envolvem o valor de companhias, ativos e passivos, destacando que a perícia é, antes de tudo, um exercício de responsabilidade técnica e social.
Segundo ele, a avaliação de empresas “vai muito além de fórmulas e balanços”. Macadar defendeu que o economista precisa compreender o contexto econômico, o ambiente concorrencial, as projeções de mercado e, principalmente, a realidade do negócio que está sendo avaliado. Ele lembrou que, em muitos casos, um laudo pericial pode definir o rumo de decisões judiciais com grande impacto financeiro e social, exigindo rigor e responsabilidade de quem o elabora.
O economista chamou atenção também para a diferença entre valor e preço, conceitos muitas vezes confundidos no senso comum. “O perito trabalha com o valor econômico — uma estimativa fundamentada no potencial de geração de resultados — e não apenas com o preço de mercado. São conceitos distintos, e o perito precisa dominar essa diferença para oferecer um trabalho de qualidade e credibilidade”, explicou.
Entre os métodos abordados por Macadar estiveram o fluxo de caixa descontado e o valor patrimonial, com destaque para a necessidade de atualização constante frente às transformações tecnológicas e regulatórias que afetam o mercado. “O economista perito precisa estar preparado para lidar com as mudanças no ambiente empresarial e com as novas ferramentas de análise que surgem a todo momento”, observou.
Ao final, ele reforçou que a perícia econômico-financeira é uma área em expansão e estratégica para a valorização da profissão. “A atuação do economista perito exige conhecimento técnico, ética e compromisso com a verdade dos fatos econômicos. É uma oportunidade de contribuir diretamente para a justiça e para o fortalecimento institucional do país”, concluiu.
“Inteligência artificial é aliada do economista perito”, afirma Nelson Seixas
Em palestra no Fórum de Perícia Econômico-Financeira, especialista mostra como IA pode aumentar produtividade e qualidade das perícias, desde que usada com responsabilidade e supervisão técnica
O avanço da inteligência artificial (IA) já está transformando profissões e criando novas formas de produzir conhecimento — e, no campo da perícia econômico-financeira, não será diferente. Foi com essa perspectiva que o economista Nelson Seixas dos Santos conduziu sua palestra no XXVI Congresso Brasileiro de Economia (CBE), defendendo que a tecnologia deve ser vista como uma ferramenta estratégica e não como competidora do trabalho humano. Com uma abordagem leve e prática, Seixas destacou que a IA amplia a capacidade de análise do perito ao automatizar tarefas repetitivas e liberar tempo para o que realmente importa: a interpretação crítica dos fatos econômicos e a construção de argumentos técnicos de qualidade.
O economista abriu a fala com uma provocação: “Muitos veem a IA como uma ameaça, mas o que precisamos é compreendê-la como uma aliada”. Segundo Seixas, a inteligência artificial ainda está em estágio inicial, mas já transforma o modo de trabalhar em diferentes áreas. “Assim como a internet mudou completamente o nosso modo de atuar, a IA também vai mudar. A diferença é que, neste momento, não há risco de substituição do perito humano. Pelo contrário, há novas oportunidades”, afirmou.
O professor demonstrou o potencial da tecnologia exibindo um vídeo totalmente produzido por IA, em apenas seis minutos, com ferramentas gratuitas como o Notebook LM e o Gamma App. “A IA permite que foquemos no que realmente importa: a análise econômica, o raciocínio crítico e a interpretação dos dados”, explicou. Ao mesmo tempo, alertou para as limitações do uso dessas ferramentas, como as chamadas “alucinações” — quando o sistema gera informações falsas — e a falta de transparência dos algoritmos. “Essas limitações reforçam que a IA deve ser supervisionada e validada por especialistas. Ela é uma ferramenta de auxílio, não de decisão autônoma”, pontuou.
Durante a palestra, Seixas apresentou também resultados de pesquisas em bases acadêmicas como o Google Scholar e o RePEc, que mostram o quanto o tema ainda é pouco explorado na literatura econômica. “Quando buscamos trabalhos sobre inteligência artificial aplicada à perícia econômica, encontramos quase nada. Isso mostra o tamanho da oportunidade que temos. Podemos e devemos ocupar esse espaço”, destacou.
Para ele, o domínio da IA não exige formação técnica avançada, mas sim curiosidade e disposição para aprender. “O perito não precisa ser programador, mas precisa entender o básico — o que é um algoritmo, como funcionam os modelos de linguagem, quais são suas limitações. Quando conhecemos, deixamos de temer. E é aí que a IA passa a trabalhar a nosso favor”, afirmou.
Encerrando com leveza, Seixas exibiu um vídeo gerado por IA intitulado “O Exterminador de Economistas” e brincou: “Ainda faltam 20 ou 30 anos para isso acontecer. Até lá, seguimos no controle”. Em seguida, concluiu com uma reflexão: “A IA não vai nos eliminar, mas vai exigir que sejamos melhores no que fazemos. Cabe a nós formar profissionais capazes de usá-la com propósito e eficiência.”
A perícia ambiental e a importância de agir antes do dano
Economista alerta que atuação na área não deve se limitar à mensuração de prejuízos, mas propor soluções para evitar danos socioambientais
Encerrando Fórum de Perícia Econômico-Financeira realizado durante o XXVI Congresso Brasileiro de Economia (CBE), o economista e professor Gustavo Inácio de Moraes apresentou uma abordagem inovadora sobre a atuação do economista na interface entre desenvolvimento econômico e sustentabilidade. Em sua palestra, intitulada “Perícia Econômica, Ambiental e Danos”, o doutor pela USP e docente da PUCRS destacou que a perícia ambiental ainda é majoritariamente reativa no Brasil, entrando em cena apenas após a ocorrência de desastres. Para ele, esse modelo está ultrapassado.
“O perito ambiental precisa propor antes de reagir. Ele não deve apenas mensurar prejuízos, mas atuar como instrumento para preveni-los”, defendeu. O professor destacou que a perícia ambiental é, por natureza, interdisciplinar, exigindo diálogo entre diferentes áreas do conhecimento. Apresentou cinco métodos de valoração econômica — custo da viagem, preço hedônico, lucros cessantes, valoração contingente e bens e insumos complementares —, cada um revelando dimensões diferentes do valor ambiental.
Entre os exemplos citados, Moraes relembrou o vazamento de petróleo na Baía de Paranaguá (2005) e o caso de Eldorado do Sul (RS), município que desempenha papel crucial na preservação da água do Guaíba. “É uma cidade que faz um esforço ambiental em benefício de todos os demais municípios da região metropolitana, e esse esforço precisa ser reconhecido e valorado”, destacou.
Ao concluir, defendeu que a perícia ambiental deve ser vista como uma forma de seguro. “O símbolo do seguro é o guarda-chuva: ele serve para evitar que a gente se molhe, não para secar depois. É assim que o economista deve pensar quando atua com o meio ambiente — com uma postura preventiva e propositiva”, afirmou.
Fonte: Cofecon
