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Quando nos deparamos com o universo dos Economistas, é comum pensarmos em figuras masculinas que moldaram o campo ao longo da história. De acordo com a pesquisa do Prof. Francis Petterini, em 2020, 67,9% daqueles que se candidataram a um programa de pós-graduação em Economia eram homens e 60% dos candidatos eram brancos. Corrobora para esta percepção geral o relatório da Associação Econômica Latino-Americana e Caribenha (Lacea,2023) onde mostra que no Brasil apenas 36% dos alunos de graduação são mulheres, caindo para 23% em programas de mestrado, aliado a isto temos ainda um levantamento divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, que aponta que apenas 54,5% das mulheres com 15 anos ou mais integravam a força de
trabalho formal no país, contra 73,7% dos homens.

Aqui estamos avaliando o mercado de trabalho de forma geral, quanto mais apontamos a lupa para as cadeiras de lideranças, maior fica a discrepância entre gêneros. As estatísticas constatam o que observamos na prática, dados apresentados no “Panorama Mulheres 2023”, estudo realizado por Insper e Talenses Group no Brasil, apenas 17% dos cargos de CEO são ocupados por mulheres, o que se refere a diretoras, vice-presidentes e membros de conselhos. Se o exercício for ampliado para um olhar racializado, os números chegam a ser constrangedores, das mulheres nos cargos de CEO 75% são brancas, 18% são pardas/negras.

O desafio de tratarmos a pauta da diversidade, tanto de gênero quanto a racial, surge não como um assunto da moda ou que tenha seu impacto passageiro, mas como uma mudança estrutural de médio e longo prazo, visto que o cenário atual também não foi construído de um dia para o outro.

Permitam-me contar um pouco da minha própria história – enxergada por muitos como a exceção que confirma a regra. Sou uma mulher negra, executiva, mãe, esposa, filha – a 2ª entre 8 irmãos. Iniciei minha trajetória profissional aos 14 anos e me formei Economista em uma época em que ter o diploma universitário ainda era raro, principalmente, por ter escolhido uma carreira majoritariamente masculina e predominantemente branca.

Aprendi, ao longo de mais de 4 décadas de trajetória profissional, exclusivamente dedicada a um dos grupos empresariais mais bem sucedidos da economia brasileira, a transformar os desafios em oportunidades, superar barreiras e usar a sabedoria acumulada para impactar positivamente as empresas desse grupo econômico, pelas quais tive o privilégio de transitar. Vale destacar que o grupo possui uma estrutura de gestão familiar e, como acontece na maioria das grandes empresas, tendo uma forte presença altamente masculinizada em suas mesas de reuniões. Mesmo neste cenário, pude criar meus 3 filhos, o que se mostra, atualmente, uma exceção dentro da realidade atual de muitas mulheres, que se veem “obrigadas” a escolher entre carreira e família – um dilema que não deveria existir e que, normalmente, não tem impacto nas decisões da grande maioria de lideranças masculinas.

Me orgulho e celebro muito esta minha trajetória, não apenas por ser uma conquista pessoal, mas sim um passo dado em direção à desconstrução de estereótipos arraigados, por poder abrir portas para que outras mulheres, especialmente, mulheres negras, também possam seguir seus sonhos. Cada projeto, cada decisão tomada em salas de reuniões, me trazia o peso da responsabilidade de representar não apenas a mim mesma, mas toda uma comunidade que anseia por igualdade de oportunidades. Aprofundando-se na carreira de Economista aqui no Brasil, a questão de gênero transcende
o simples acesso às oportunidades; ela se estende à conquista de posições de liderança e ao reconhecimento pleno do valor intelectual feminino, a despeito de situações mais corriqueiras do que esperamos, como o enfrentamento à diversos modos de assédios, remuneração e oportunidades de planos de carreiras desiguais.

Diversidade deve ser a norma e não a exceção. Ser diverso é a base da nossa sociedade, um alicerce da própria humanidade. Padrões são muito válidos quando tratamos de números, fórmulas matemáticas, cálculos. Quando tratamos de pessoas, as diferenças enriquecem as experiências compartilhadas. Encorajo todas as mulheres, em especial, a mulher negra, a não apenas buscar espaço, mas a criar espaços nos quais suas vozes e ideias sejam não apenas ouvidas, mas também valorizadas. Em razão disto cito referencias como: Jandaraci Araújo (Conselheira Fiscal, Co-fundadora Conselheiras101), Rachel Maia (Empresária e Conselheira Adm. Vale), Viviane Elias Moreira (Especialista em gestão de risco, crises e continuidade de negócios, certificada pelo British Standards Institution), Monica Marcondes
(Economista, executiva do Banco Santander, integra a diretoria-executiva do Instituto Adus), que sejam cada vez mais comuns dentro dos boards de decisão das grandes empresas.

Enalteço aqui, o Cofecon e Corecon/SP, comprometidos com diversos temas, assim como este, sobre a diversidade em prol da equidade de gênero e racial, consolida as suas Comissões Temáticas e os Fóruns de Discussão e Ação, instituindo, em especial, a Comissão da Mulher Economista e a Comissão de Promoção da Equidade Racial, nas quais contribuo como membro e Conselheira Suplente.

É bastante animador ver, além dos debates nas grandes empresas do país, que políticas públicas estão sendo implementadas em prol de um maior incentivo à diversidade e inclusão tanto na esfera pública quanto privada. O presidente da República Luís Inácio Lula da Silva, em seu atual mandato, anunciou políticas com ações específicas para os negros e negras do país, criando o Ministério da Igualdade Racial, alterando o Estatuto da Igualdade Racial e sobretudo sancionando a Lei 14.611/2023 que estabelece a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, obrigatória em casos de trabalho que tenha igual valor ou no exercício de mesma função.

Isso só enriquece minha percepção pessoal que a representatividade importa, sendo esta uma responsabilidade que abraço com orgulho, além de me proporcionar oportunidades de catalisar mudanças estruturais, ter uma voz ativa na construção de políticas econômicas e incentivar outras mulheres por meio da minha história pessoal. À medida que as mulheres enfrentam os desafios que lhe são impostos, são também arquitetas do futuro, moldando a nossa profissão de Economista, tornando-a verdadeiramente diversificada, inclusiva e, acima de tudo, igualitária. Para as colegas jovens Economistas, diria que a experiência não é apenas um número; é uma fonte inestimável de sabedoria e discernimento. Compreender a interconexão entre a história, a economia e a cultura é uma vantagem única que os anos proporcionam. Incentivo a todos a valorizar a riqueza que a diversidade de experiência pode trazer para qualquer profissão.

Nossa luta por equidade e inclusão continua, é uma luta extensa, árdua e única, mas as conquistas se tornam ainda mais honrosas, significativas e belas quando compartilhadas por todas e todos, mulheres e homens. A cada dia, vejo um horizonte mais promissor para as futuras gerações. Minha experiência não é apenas pessoal; é uma contribuição para um legado que, espero, inspire e pavimente caminhos para outras que virão. A jornada está longe de terminar e me mantenho comprometida em ser uma voz ativa na busca por uma construção de um futuro mais justo e diversificado, principalmente em nossa profissão de Economista.

Shirley Basilio
Economista, Consultora Financeira Independente e Conselheira Suplente Corecon/SP

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