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A seleção do tema na ciência das escolhas

Um dos grandes desafios dos cientistas é o de delimitar o objeto de estudo. Para os economistas não é diferente. Se há alguma vantagem para esses profissionais é o fato de que, desde a primeira aula na graduação, aprende-se que as necessidades são ilimitadas, mas os recursos são escassos: portanto, priorizar é fundamental. Escolher um tema, diante de um macrotema tão complexo quanto amplo, como o que foi debatido no 28º Simpósio Nacional dos Conselhos de Economia (SINCE), é algo definitivamente difícil. No entanto, se se tiver em mente a perspectiva de tratar de um assunto relevante e que, ao mesmo tempo, possa espraiar externalidades positivas em larga escala, a missão torna-se possível.

Neste sentido, é fundamental recapitular: “Em outras palavras: apenas as ideias de valor que dominam o investigador em uma época podem determinar o objeto do estudo e os limites deste estudo” (WEBER, 2019, p.245). Por isto, o assunto central a seguir será a produtividade, por ser uma ideia de valor, com qualquer conotação que se queira dar ao termo.

Imperativo se faz, antes de tudo, chamar a atenção da proposta subjacente: uma nova revolução científica na Economia Política, atualmente simplesmente designada como Economia. Nas ciências naturais, é possível replicar experimentos e testá-los exaustivamente. Sorte dos físicos. No caso da ciência designada aos economistas, isso seria impossível, sobretudo por conta das implicações morais e éticas. Como seria isolar uma parcela da população e submetê-la, deliberadamente, a condições estruturais distintas e intencionalmente mais restritivas, por um determinado período, apenas para averiguar e “comprovar”, estatisticamente, quais as consequências de certa exceção econômica? Quais os limites da ciência econômica, neste sentido?

É bem verdade que isto já ocorreu no passado, nem tão distante assim, quer seja em relação ao tempo ou mesmo no que se refere à geografia. O Chile foi submetido, entre 1973 e 1990, no governo Augusto Pinochet, à “Doutrina do Choque”.¹ Não deixa de ser paradoxal o fato de que “libertários” tenham deixado as garantias fundamentais, as liberdades individuais e os direitos políticos, elementos expoentes da Democracia, de lado, a serviço da experiência econômica, de repercussões trágicas. Estima-se que mortos e desaparecidos tenham sido mais de 3 mil, enquanto os torturados e presos políticos chegaram a 28 mil.

Como é possível notar, cabe ao economista, por meio do seu objeto de estudo e da ação política, compreender que a sua responsabilidade é enorme e que determinados princípios devem ser inegociáveis, como é o caso de experiencias que possam fragilizar Democracia e as suas instituições sociais. Hoje, mais do que nunca, sabe-se a importância destas para a prosperidade econômica das nações².

A produtividade: aspectos relevantes

Observadas as questões propedêuticas, cumpre apresentar ao prestigioso leitor a razão de se ter optado por falar da produtividade. Poder-se-ia recorrer à celebre frase do Nobel Paul Krugman: “A produtividade não é tudo na economia, mas a longo prazo é quase tudo!” Porém, o desafio de ampliar a produtividade está presente também em países desenvolvidos. Na edição de 9 de junho de 2022, a The Economist tratou do tema, destacando que: “No longo prazo, o crescimento da produtividade, ou a capacidade de produzir mais com menos, é tudo que realmente importa para o aumento dos padrões de vida.”3. A produtividade é relevante globalmente; para o Brasil, é ainda mais, sobretudo pelas assimetrias regionais, como debatido no último SINCE, em Balneário Camboriú-SC.

Conforme mensurou o IBGE, diante dos dados das Contas Regionais do Brasil4, o Valor Adicionado Bruto Industrial por Região no Sudeste é 55%, o maior dentre as demais regiões, especialmente por conta das indústrias de automóveis e farmacêuticas, em São Paulo, e da petroquímica, no Rio de Janeiro. A produtividade média por trabalhador chegou a R$ 120 mil, no Sudeste, em comparação aos R$ 50 mil, no Norte, aos R$ 60 mil no Nordeste, aos R$ 80 mil no Centro-Oeste e aos R$ 90 mil no Sul. Esta é só uma das inúmeras faces das desigualdades brasileiras. A relatividade envolvida, neste e em outros temas, é sempre proeminente, mesmo quando não deveria ser (ARIELY, 2008). Ser a região Sudeste a mais produtiva em um País que tem apenas uma fração da produtividade americana é realmente um destaque? Talvez. A comparação deveria ser mais ambiciosa. Todavia, o fato é que o Sudeste tem uma maior participação da indústria na geração de riqueza, o que faz dela a mais dinâmica e corrobora a tese de que a reindustrialização, por meio das políticas industriais pode auxiliar no processo de melhoria da produtividade total dos fatores.

Independentemente das questões regionais, o foco é abordar as externalidades positivas possíveis, quando se eleva a produtividade ao posto de prioridade. O Brasil tem enormes desafios que poderiam – e deveriam – ser priorizados. Contudo, convida-se o leitor a assumir a hipótese de que haja uma concertação nacional em prol do aumento da produtividade. Mas, por quê? Porque, ao endereçar o avanço de produtividade, a sociedade brasileira – agentes econômicos públicos e privados – teria que investir mais recursos em: 1) tecnologia; 2) capital produtivo; 3) recursos humanos; 4) organização e gestão; 5) condições de trabalho; 6) políticas governamentais e regulatórias assertivas; 7) fatores econômicos e de mercado; 8) inovação; e 9) fatores ambientais.

Somente com maior produtividade será possível pagar melhores salários aos trabalhadores brasileiros, elevando o padrão de vida e de consumo desta classe, sem inviabilizar os recursos empregados em investimentos produtivos, provenientes das margens de lucros, sem que isto seja capaz de pressionar a taxa de inflação, pela elevação da demanda e do custo do fator trabalho. Elevar a produtividade brasileira não será tarefa simples, mas está longe de ser impossível. Os exemplos internacionais demonstram que escolhas corretas podem levar a este destino.

No Congresso Paulista de Economia deste ano, o economista Ha-Joon Chang mostrou a importância da produtividade e da reindustrialização para o progresso do padrão de desenvolvimento econômico, com inclusão social. Dentre outros aspectos, evidenciou a involução brasileira, desde 1990. Como dito: a produtividade é uma medida relativa. Isto é, não basta avançar, há que se progredir mais rápido do que outras nações, sobretudo quando se está em desvantagem. É o que fez a Coreia do Sul, conforme revela o Gráfico 1. Todos os países selecionados, conseguiram ampliar a sua produtividade no período analisado; o Brasil, na contramão, é a lamentável exceção.

O caminho da Coreia é conhecido: investimentos consistentes e contínuos: a) na educação; b) na pesquisa e desenvolvimento; e c) na indústria de transformação. A priorização em P&D despontou como elemento dinamizador para aquele país. Com dados de 2019, a taxa de investimento em P&D, em relação ao PIB, no “tigre asiático”, foi de 4,6% (nos Estados Unidos, 3,5%; na China, 2,2%; enquanto no Brasil, 1,2%). Em decorrência disto, é possível estimar que a distância entre a produtividade do Brasil e a deste grupo de países aumentou, desafortunadamente.

Conclusão

Ensinou Kuhn (2017) que se a história for vista como um repositório para além das cronologias, esta teria o poder de produzir uma transformação decisiva na imagem da ciência. Melhor ainda, se essa metamorfose resultar em uma revolução na ciência econômica que, no mainstream, está dominada por uma falsa pretensão do conhecimento elevada ao paroxismo, quase que esotérica. O exacerbado poder de “convencimento” que determinadas teorias econômicas têm, ainda que a realidade demonstre inequivocamente que estão erradas, é inquietante, para dizer o mínimo. Parte dos “intelectuais orgânicos” do mainstream usa, recorrentemente, de explicações denominadas por eles como técnicas e neutras, para sustentar decisões que são, no limite, políticas. Se não fosse isto, como justificar as atuais taxas de juros reais da economia brasileira [~7,4% a.a.], que inviabilizam os investimentos produtivos e, em decorrência, pioram a produtividade? A Rússia, que está em guerra há mais de 32 meses, tem a taxa de 9,05% a.a., em comparação.

No atual contexto global, abre-se uma janela de oportunidade singular para o Brasil fazer avançar a produtividade da sua economia. As evidentes mudanças climáticas colocaram o negacionismo em xeque. Não há mais tempo a perder no sentido de mitigá-las. A sustentabilidade ultrapassou as discussões acadêmicas e tornou-se assunto do cotidiano, exercitada, sobretudo pelas gerações desde os millenials. O Brasil pode
desempenhar certo protagonismo diante desta bigpicture. Neste outubro, o País sediou as discussões do B-20, fórum que reuniu líderes empresariais das 20 maiores economias. No próximo ano, em novembro, em plena Amazônia, em Belém do Pará, o Brasil abrigará a COP30 (Conferência das Partes). Há que se aproveitar essa convergência de temas e avançar a partir da ótica do aumento da produtividade, que, metaforicamente, para o Brasil não é tudo, mas é 100%.

Notas

¹ KLIEN, Naomi. A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

² THE NOBEL PRIZE – To Daron Acemoglu, Massa chusetts Institute of Technology, Simon Johnson, Massachusetts Institute of Technology, and James A. Robinson, University of Chicago for studies of how institutions are formed and affect prosperity – Disponível online em: https://www.nobelprize.org/uploads/2024/10/advanced-economicsciencesprize2024.pdf – Acesso em 27 de outubro de 2024.

³ THE ECONOMIST. Britain’s produtivicty problem islong-standing and getting worse. London, Jun 9th, 2022. Disponível online em: https://www.economist.com/britain/2022/06/09/britains-productivity-problem-is-long-standing-and-getting-worse – Acesso em 27 de outubro de 2024.

4 IBGE – SCR – Sistema de Contas Regionais – Rio de Janeiro, 2021 – Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9054-contas-regionais-do-brasil.html – Acesso em 27 de outubro de 2024.

Referências Bibliográficas

ARIELY, Dan. Previsivelmente irracional: as forças ocultas que formam as nossas decisões. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

KLIEN, Naomi. A doutrina do choque: a ascensão do capitalismo de desastre. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. KUHN, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 2017.

PENN WORLD TABLE in CHANG, Ha-joon. Why Brazil needs to re-industrialise. Palestra proferida no Congresso Paulista de Economia: São Paulo (2024). Disponível online em: https://tinyurl.com/34suhsss

THE NOBEL PRIZE – To Daron Acemoglu, MIT, Simon Johnson, MIT, and James A. Robinson, University of Chicago for studies of how institutions are formed and affect prosperity – Disponível online em: https://tinyurl.com/mubvvzd5

WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. 5ª Edição. São Paulo: Cortez; Campinas-SP: Editora da Unicamp, 2019.