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A necessidade da neoindustrialização diante dos desafios geopolíticos modernos 

 

O Brasil sofreu nas últimas décadas um grave processo de desindustrialização. Nos anos de 1940, quando estava em pleno desenvolvimento o Processo de Substituição de Importações, iniciado na década anterior, durante o governo Getúlio Vagas, a indústria respondia por cerca de 40% do PIB brasileiro. Hoje, essa participação caiu drasticamente para cerca de 14%. 

Nesse contexto, e considerando que em maio tradicionalmente se celebra o “mês da indústria” no Brasil, o Corecon-SP vem tratar desse tema fundamental para a Economia e sublinhar a necessidade de se recuperar o legado de figuras históricas que pensaram profundamente sobre o papel da indústria no desenvolvimento nacional. Entre elas, destaca-se Roberto Simonsen, engenheiro, industrial Presidente da Fiesp, que travou um debate histórico com o economista Eugênio Gudin, nos anos 1940, sobre os rumos que o país deveria tomar. Esse embate permanece vivo, especialmente à luz do processo recente de desindustrialização e dos desafios enfrentados pela economia brasileira atualmente. 

O debate Simonsen-Gudin simboliza dois projetos distintos de nação. Simonsen, representante dos setores industriais, defendia que o Brasil deveria apostar decididamente na industrialização como caminho para o progresso econômico e social, um processo que não aconteceria espontaneamente, mas que exigia planejamento, políticas públicas e ação coordenada entre Estado e iniciativa privada. Já Gudin, identificado com uma visão liberal, acreditava que o desenvolvimento deveria ser guiado pelas forças do mercado, com um Estado mínimo e restrito, limitando-se a garantir as condições básicas para o funcionamento da economia. 

Hoje, décadas depois, o Brasil enfrenta os impactos de um longo ciclo de políticas liberalizantes que contribuíram para a desindustrialização precoce, a perda de protagonismo político da indústria e a crescente vulnerabilidade da economia nacional frente a choques externos. A desindustrialização começa com o Plano Collor, a partir da abertura precipitada da economia, sem estratégia clara para embasar aquele processo, enquanto a política neoliberal avançava pelo mundo. Posteriormente, com a adoção do Plano Real, houve o aprofundamento da primarização da economia brasileira, fruto da exacerbada e artificial valorização da moeda nacional em relação ao dólar, baseada na chamada âncora cambial. 

Enquanto os setores agrícola e financeiro passaram a ocupar o centro das decisões econômicas e políticas, a voz da indústria se tornou secundária. É importante dizer que o Brasil não precisa abdicar de ter um sistema financeiro sólido ou uma agricultura pujante para ter uma indústria competitiva. É possível conciliar um projeto de desenvolvimento centrado na descarbonização, sobretudo por conta das vantagens comparativas ambientais presentes. Falta uma estratégia de Estado que perpasse governos. 

A neoindustrialização não é apenas um movimento econômico, mas uma escolha estratégica, essencial para construir soberania nacional, gerar empregos qualificados e aumentar a capacidade tecnológica do país. Mais do que isso, está centrada na questão ambiental, pautada teoricamente por missões que, no limite, ajudam a redefinir o país, tornando-o mais igualitário e capaz de prover as necessidades de sua população, com soberania e inclusão social, distribuição de renda, sem ultrapassar os limites da natureza.    

Cabe destacar que o Prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz, em visita ao Brasil em 2023, mesmo com a taxa de juros Selic 1 p.p. abaixo da atual, disse que esse patamar era “chocante” e equivaleria a “pena de morte”. A manutenção prolongada de juros elevados, desde a abertura comercial abrupta dos anos 1990, aprofundada a partir da instituição do Plano Real, a ausência de políticas industriais consistentes e a marginalização das vozes industriais no debate econômico não são fruto do acaso. São resultado de decisões políticas e escolhas feitas ao longo de décadas — opções que enfraqueceram a capacidade do país de competir em setores industriais, capazes de espraiar externalidades positivas. 

 A desindustrialização tornou-se um problema de segurança nacional, pois um país com um território continental de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e uma população de mais de 210 milhões de habitantes não pode prescindir, em hipótese alguma, de ter uma base industrial forte, permanente, com alta tecnologia para atender aos interesses de sua sociedade. Não podemos depender exclusivamente de gerar divisas a partir da exportação de bens primários, para importar os demais bens e serviços, além de tecnologia e máquinas para atender as demandas do mercado interno.  

Como alternativa a isso, a partir da introdução da política industrial chamada Nova Indústria Brasil (NIB), há sinais positivos, a serem observados em maior prazo, mas que denotam o crescimento da indústria de transformação superior ao do restante da economia, em 2024. No entanto, isso será insuficiente se não enfrentarmos os desafios macroeconômicos e estruturais que sufocam a competitividade do setor, incluindo a redução das assimetrias concorrenciais frente aos países desenvolvidos, a melhora das condições de crédito e a promoção de inovação tecnológica. 

Recolocar a indústria no centro da estratégia não é apenas uma questão de mercado, mas de projeto nacional. É preciso defender a produção feita no Brasil. Lembramos que a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China é por tecnologia, algo em que a indústria tem um papel fundamental, em parceria com as universidades e os demais atores do ecossistema da pesquisa e desenvolvimento, por meio da inovação constante. A soberania dos países passa pela capacidade de produção, pela disponibilidade e pela logística de itens críticos, como os semicondutores. 

A pandemia de Covid-19 revelou uma das facetas mais duras da indisponibilidade de bens industriais. A escassez de itens essenciais, destinados à manutenção da vida, como respiradores artificiais, fez com que a estratégia de globalização fosse repensada. Essa lição não deve ser esquecida. O Brasil precisa ousar na disputa pelo desenvolvimento e pela atração de investimentos relacionados à alta tecnologia. 

Em tempos de incerteza geopolítica, mudanças climáticas e transição tecnológica, a neoindustrialização verde, inclusiva e inovadora, deve ser o motor para um novo ciclo de desenvolvimento brasileiro. Mas isso exige abandonar o conformismo às crenças automáticas no neoliberalismo, reconhecer as especificidades do país e ousar pensar políticas de longo prazo. 

Temos a maior biodiversidade do planeta. Segundo dados à mostra no saguão do BNDES, em sua sede, no Rio de Janeiro, o Brasil tem mais de 116 mil espécies de animais e 46 mil espécies de vegetais espalhadas por 6 biomas. Além disso, o país tem parcela significativa da água potável do mundo. Dos quase 200 países, apenas 5 conseguem combinar mais de 2 milhões de quilômetros de extensão, ter a população superior a 100 milhões de habitantes e um PIB superior a US$ 2 trilhões. O Brasil é um deles. 

Por tudo isso, o Conselho Regional de Economia do Estado de São Paulo acredita que concretizar o projeto de neoindustrialização, que garanta o desenvolvimento nacional, e, com isso, fortalecer a autodeterminação do povo brasileiro, tendo como base o Art. 3º da Constituição Federal, fundamenta um passo essencial para a plena materialização da soberania nacional.